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Medicina FAG

Fisiologia Endócrina do Pâncreas e Regulação da Glicemia

Anatomia e Histologia Funcional do Pâncreas

Função Dupla do Pâncreas

O pâncreas é uma glândula com dupla funcionalidade, atuando tanto no sistema endócrino quanto no exócrino. A sua função endócrina é centrada na produção de hormônios que regulam a glicemia, principalmente a insulina e o glucagon, além da somatostatina e do polipeptídeo pancreático. A função exócrina está relacionada ao processo digestivo, envolvendo a secreção de um volume de 1 a 2 litros de suco pancreático no lúmen intestinal. Este suco contém enzimas digestivas essenciais, como amilase, lipase e tripsina, além de bicarbonato, para auxiliar na digestão dos alimentos.

Localização Anatômica e Estrutura Macroscópica

Anatomicamente, o pâncreas é uma glândula localizada em posição retroperitoneal, posteriormente ao estômago. Para visualizá-lo, é necessário afastar o estômago. Ele se conecta diretamente ao duodeno, onde seu ducto principal desemboca para liberar as secreções exócrinas. A vascularização pancreática, por sua vez, é responsável por transportar os hormônios produzidos para a corrente sanguínea. O órgão é dividido em três regiões principais: cabeça, corpo e cauda.

Relevância Clínica da Anatomia Pancreática

O conhecimento da anatomia macroscópica do pâncreas possui relevância clínica significativa, especialmente no campo da oncologia. A localização de neoplasias pancreáticas influencia o prognóstico e a capacidade de infiltração do tumor. Cânceres localizados na cauda do pâncreas, por exemplo, podem apresentar um curso clínico distinto e um prognóstico ligeiramente mais favorável em comparação com tumores em outras regiões, embora o câncer de pâncreas seja, por definição, uma patologia de alta malignidade e rápida progressão, frequentemente associada a uma sobrevida de poucos meses após o diagnóstico.

Estrutura Histológica Endócrina: As Ilhotas de Langerhans

A porção endócrina do pâncreas é constituída pelas ilhotas de Langerhans, que são agrupamentos de células especializadas na produção de hormônios. Existem quatro tipos celulares principais dentro das ilhotas, cada um responsável pela síntese de um hormônio específico:

  • Células Beta (β): Constituem a maior parte das ilhotas e são responsáveis pela produção de insulina e, em menor quantidade, de amilina.
  • Células Alfa (α): São o segundo tipo celular mais abundante e produzem glucagon.
  • Células Delta (δ): Representam cerca de 8 a 10% das células das ilhotas e secretam somatostatina.
  • Células PP (ou F): Produzem o polipeptídeo pancreático.

A identificação histológica desses diferentes tipos celulares requer técnicas específicas, sendo a sua diferenciação mais clara em representações esquemáticas. O conhecimento sobre qual célula produz cada hormônio é fundamental, pois tumores originados de um tipo celular específico podem levar à hipersecreção do hormônio correspondente, resultando em síndromes clínicas características.

Hormônios Pancreáticos e suas Funções Gerais

A Balança Hormonal: Insulina e Glucagon

Os quatro hormônios produzidos pelo pâncreas endócrino atuam de forma coordenada para manter a homeostase metabólica, com foco principal na regulação dos níveis de glicose sanguínea. A insulina, secretada pelas células beta, é o principal hormônio anabólico do corpo. Sua função é reduzir a glicemia ao promover a captação de glicose pelas células e seu armazenamento na forma de glicogênio no fígado e nos músculos. Em situações de excesso de glicose, a insulina também estimula a lipogênese (conversão de glicose em gordura) e a síntese proteica. Em contraste, o glucagon, secretado pelas células alfa, é um hormônio catabólico. Sua principal função é aumentar a glicemia, o que realiza por meio de dois processos principais: a glicogenólise hepática (quebra do glicogênio em glicose) e a gliconeogênese (formação de novas moléculas de glicose a partir de precursores não glicídicos).

Interação e Contrarregulação entre Insulina e Glucagon

A insulina e o glucagon atuam como hormônios contrarreguladores. Um aumento na secreção de insulina tipicamente leva a uma redução na secreção de glucagon, e vice-versa. No entanto, os níveis desses hormônios nunca chegam a zero no organismo. O glucagon, em particular, desempenha um papel crucial na prevenção da hipoglicemia. Ele mantém a glicemia em níveis adequados (aproximadamente 90-95 mg/dL) durante o jejum e a prática de exercícios físicos, garantindo um suprimento contínuo de glicose para o cérebro, que utiliza este substrato como sua principal fonte de energia. Em estados de hipoglicemia severa, quando os mecanismos de glicogenólise e gliconeogênese são insuficientes, o corpo recorre à cetogênese como último recurso para gerar corpos cetônicos, que podem ser utilizados como fonte de energia alternativa pelo cérebro.

Dinâmica Hormonal em Resposta à Alimentação e ao Jejum

A relação entre insulina e glucagon pode ser visualizada como uma balança. Após uma refeição (estado pós-prandial), o aumento da glicemia estimula a secreção de insulina, que se torna o hormônio predominante. A insulina promove a oxidação da glicose, a síntese de glicogênio, a lipogênese e a síntese proteica, enquanto a secreção de glucagon é suprimida. Em estado de jejum ou durante o exercício físico, os níveis de glicose diminuem, o que leva a uma redução na secreção de insulina e a um aumento na secreção de glucagon. O glucagon então se torna dominante, estimulando a glicogenólise e a gliconeogênese para liberar glicose na corrente sanguínea e manter a homeostase energética.

Hormônios Secundários: Somatostatina e Polipeptídeo Pancreático

A somatostatina, liberada pelas células delta, é conhecida como um "hormônio inibitório universal". No pâncreas, ela atua por meio de secreção parácrina para regular negativamente a secreção de insulina e glucagon, contribuindo para a modulação fina da homeostase glicêmica. Além disso, a somatostatina também modula a motilidade gastrointestinal e a secreção de ácido gástrico. O polipeptídeo pancreático, produzido pelas células PP, tem seus níveis aumentados no período pós-prandial (após a alimentação). Sua função está relacionada à regulação da digestão e da saciedade, auxiliando em processos no estômago e no intestino. Embora não seja um protagonista na regulação da glicemia, ele participa da resposta fisiológica integrada à alimentação.

Insulina: Síntese, Secreção e Mecanismo de Ação

Síntese e Processamento da Insulina

A insulina é um hormônio peptídico sintetizado nas células beta pancreáticas como um precursor inativo, a pró-insulina. Esta molécula é armazenada em grânulos secretores. Quando um estímulo, como o aumento da glicose plasmática, sinaliza a necessidade de insulina, a pró-insulina sofre uma clivagem enzimática. Esse processo de clivagem gera duas moléculas: a insulina ativa e uma molécula de conexão chamada peptídeo C. Ambos são secretados na corrente sanguínea em quantidades equimolares.

Importância Clínica do Peptídeo C

O peptídeo C é um marcador laboratorial de grande utilidade para avaliar a secreção endógena de insulina. Durante a clivagem da pró-insulina, a insulina e o peptídeo C são liberados em quantidades equimolares. No entanto, a insulina possui uma meia-vida muito curta, de aproximadamente 5 a 6 minutos, o que a torna um marcador volátil. Em contrapartida, o peptídeo C tem uma meia-vida mais longa, proporcionando uma medida mais estável e fidedigna da capacidade de secreção das células beta pancreáticas. Portanto, a sua dosagem é preferível à da insulina para investigar a produção endógena em contextos como o diagnóstico de insulinomas ou a avaliação da função pancreática residual. Algo frequentemente cobrado em provas é a sua utilidade para diferenciar a produção endógena de insulina da administração de insulina exógena, uma vez que a insulina farmacêutica não contém peptídeo C.

Metabolismo e Ação da Insulina

Uma vez na circulação, a insulina, dissolvida no plasma, exerce seus efeitos em tecidos-alvo, principalmente no fígado, músculo e tecido adiposo. Após cumprir sua função, ela é rapidamente inativada pela enzima insulinase, presente principalmente no fígado, rins e músculos. A secreção de insulina é estimulada por diversos fatores, incluindo:

  • Aumento da glicose plasmática (principal estímulo).
  • Aumento de aminoácidos no sangue (após uma refeição rica em proteínas).
  • Hormônios incretínicos, como o GLP-1, liberados pelo intestino em antecipação à absorção de nutrientes (fase cefálica da digestão).
  • Atividade parassimpática (estimula a secreção), enquanto a atividade simpática a inibe.

Mecanismo de Ação Celular da Insulina

A insulina atua ligando-se a um receptor de membrana do tipo tirosina quinase. Essa ligação desencadeia a autofosforilação do receptor, que por sua vez fosforila e ativa diversas proteínas intracelulares, conhecidas como substratos do receptor de insulina (IRS). A ativação desses substratos inicia uma cascata de sinalização que resulta em duas ações principais. Primeiramente, promove a translocação de vesículas contendo o transportador de glicose GLUT4 do citosol para a membrana celular. A inserção do GLUT4 na membrana cria um canal que facilita a entrada de glicose na célula, principalmente no músculo e no tecido adiposo. Em segundo lugar, a cascata de sinalização ativa enzimas que promovem processos anabólicos, como a síntese de glicogênio, a síntese de lipídios e a síntese de proteínas, ao mesmo tempo que inibe processos catabólicos como a glicogenólise, a lipólise e a proteólise. É importante notar que hepatócitos e células do músculo esquelético possuem mecanismos de captação de glicose que não são exclusivamente dependentes de insulina, mas a ação da insulina potencializa e regula o metabolismo intracelular da glicose nesses tecidos.

Regulação Integrada da Homeostase Glicêmica

Resposta Fisiológica à Ingestão de Alimentos

A ingestão de uma refeição desencadeia uma série de eventos que culminam na secreção de insulina. A distensão da parede gástrica ativa mecanorreceptores que, via sistema nervoso central, promovem uma estimulação parassimpática do pâncreas. A presença de carboidratos no lúmen intestinal estimula células endócrinas a liberar incretinas (GLP-1 e GIP), que potencializam a secreção de insulina. Finalmente, a absorção de nutrientes leva ao aumento direto dos níveis de glicose e aminoácidos no plasma, que são os estímulos mais potentes para as células beta. O aumento da glicose plasmática também exerce um efeito inibitório sobre as células alfa, reduzindo a secreção de glucagon e favorecendo um estado anabólico.

Efeitos Metabólicos Sistêmicos da Insulina

Com o aumento da insulina circulante, os tecidos-alvo respondem para normalizar a glicemia. No fígado, músculo e tecido adiposo, a insulina promove a captação de glicose e seu subsequente metabolismo. Os principais efeitos incluem o aumento da glicólise (utilização de glicose para energia), da glicogênese (armazenamento como glicogênio), da lipogênese (conversão em gordura) e da síntese proteica. Como resultado dessas ações, a concentração de glicose no plasma diminui. A redução da glicemia serve como um sinal de retroalimentação negativa, que cessa o estímulo sobre as células beta, diminuindo a secreção de insulina e removendo a inibição sobre as células alfa, permitindo que a secreção de glucagon retorne aos seus níveis basais.

Avaliação Clínica da Função Pancreática Endócrina

Dosagem de Insulina Sérica e Peptídeo C

A avaliação da função das células beta pode ser realizada por meio de exames laboratoriais. A dosagem de insulina sérica pode ser solicitada, mas sua utilidade é limitada pela sua meia-vida curta e grande variabilidade, sendo influenciada pelo horário da coleta e pela alimentação recente. Uma insulina basal elevada pode indicar problemas, mas a interpretação requer cautela. A dosagem do peptídeo C é um marcador mais estável e confiável da secreção de insulina endógena. É fundamental para diferenciar uma hiperinsulinemia endógena (ex: tumor produtor de insulina) de uma administração excessiva de insulina exógena. No primeiro caso, tanto a insulina quanto o peptídeo C estarão elevados; no segundo, apenas a insulina estará alta, enquanto o peptídeo C permanecerá em níveis normais ou baixos. Essa distinção é crucial no diagnóstico de hipoglicemias de causa indeterminada.

Hemoglobina Glicada (HbA1c)

A hemoglobina glicada (HbA1c) é um exame que reflete a média dos níveis de glicose no sangue ao longo de um período de aproximadamente três meses. Quando a glicose circula no sangue, uma parte dela se liga de forma irreversível à hemoglobina presente nas hemácias. Quanto maior a glicemia média, maior a porcentagem de hemoglobina que se torna glicada. Como o tempo de vida de uma hemácia é de cerca de 120 dias, a HbA1c fornece uma visão retrospectiva do controle glicêmico. É um parâmetro essencial para o diagnóstico e monitoramento do tratamento do diabetes mellitus. A melhora no controle glicêmico só será refletida em uma redução significativa da HbA1c após um período de aproximadamente três meses, que é o tempo necessário para a renovação da população de hemácias. Algo frequentemente cobrado em provas é a sua sigla, HbA1c, que pode ser utilizada em avaliações em vez do termo por extenso.

Testes de Estímulo

Outros métodos para avaliar a função pancreática incluem testes de estímulo, como o teste de tolerância oral à glicose (TTOG), onde o paciente ingere uma carga de glicose e seus níveis de glicemia e insulina são medidos em intervalos de tempo. A resposta do corpo a essa sobrecarga de glicose fornece informações valiosas sobre a sensibilidade à insulina e a capacidade de secreção das células beta. Testes com estímulo de glucagon também podem ser utilizados em contextos específicos de investigação.

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