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Medicina FAG

Desenvolvimento Embrionário: Dobramento, Neurulação e Teratogênese

Período Somítico e Suscetibilidade a Teratógenos

Formação e Visualização dos Somitos

O desenvolvimento embrionário prossegue com a formação contínua de somitos, atingindo aproximadamente 38 pares ao final da quinta semana. A formação destes pares ocorre de maneira regular e previsível. Microscopicamente, os somitos são identificáveis como estruturas de maior densidade celular, o que lhes confere uma aparência mais escura em preparações histológicas. Em micrografias de varredura, os somitos manifestam-se como saliências sequenciais ao longo do dorso do embrião, sendo visíveis externamente. Este período, caracterizado pela diferenciação dos somitos e pela organogênese, é criticamente sensível. A exposição a agentes externos pode induzir alterações na formação, resultando em mutações ou más-formações que, por afetarem a base de um sistema, podem comprometer seu desenvolvimento integral.

Vulnerabilidade Embrionária e Teratogênese

A partir da quarta semana de desenvolvimento, o embrião torna-se particularmente vulnerável a agentes externos que podem levar a más-formações congênitas ou aborto espontâneo, que ocorre em cerca de 30% dos casos. Diferentemente das anomalias de origem puramente genética, predominantes na terceira e quarta semanas, estas são frequentemente causadas por fatores ambientais que afetam um embrião geneticamente normal. As substâncias capazes de induzir ou aumentar a incidência de más-formações congênitas são denominadas teratógenos. O termo teratogênese, derivado do grego teratos (monstro) e genesis (origem), refere-se ao processo de desenvolvimento de anormalidades estruturais no embrião ou feto.

Classificação dos Agentes Teratogênicos

Os teratógenos podem ser classificados em três categorias principais: químicos, físicos e biológicos.

  • Agentes Químicos: Incluem drogas lícitas (medicamentos, álcool, nicotina presente no cigarro e em vaporizadores) e ilícitas.
  • Agentes Físicos: Compreendem diversas formas de radiação, como raios-X, e outros fenômenos físicos que podem causar mutações.
  • Agentes Biológicos: Englobam microrganismos como vírus (ex: vírus da caxumba), bactérias, fungos e parasitas (ex: Toxoplasma gondii, causador da toxoplasmose) que conseguem atravessar a barreira placentária e interferir no desenvolvimento fetal.
A gravidade da má-formação está correlacionada com o momento e a duração da exposição. Exposições no primeiro trimestre, especialmente nas fases iniciais da organogênese, tendem a causar defeitos mais graves ou levar ao aborto. Após a oitava à décima segunda semana, com as estruturas básicas já formadas, a exposição tende a resultar em crescimento ou desenvolvimento anômalo, em vez de aborto.

Teratogênese e o Exemplo da Talidomida

Contexto Histórico e Efeitos da Talidomida

Um exemplo notório de teratógeno químico é a talidomida, um medicamento desenvolvido em 1954 com propriedades ansiolíticas e antieméticas. Sua eficácia contra náuseas tornou-o popular entre gestantes, sendo prescrito por médicos e amplamente utilizado. Em 1962, a disseminação do uso culminou no que ficou conhecido como a "geração talidomida", com o nascimento de mais de 10.000 crianças com uma má-formação específica: a focomelia. Esta condição afeta o desenvolvimento dos membros, enquanto o tronco e a cabeça geralmente se desenvolvem normalmente. A severidade da focomelia varia conforme o período de exposição ao fármaco, podendo afetar apenas os membros superiores, apenas os inferiores, ou ambos. No Brasil, a introdução mais tardia do medicamento resultou em um número menor, porém significativo, de aproximadamente 1.500 casos.

Uso Atual e Controle Rigoroso da Talidomida

Atualmente, a talidomida ainda é utilizada no tratamento de outras condições, como a hanseníase, devido à sua eficácia. Contudo, seu uso é submetido a um controle extremamente rigoroso. A prescrição exige justificativa e comprovação da necessidade. Mulheres em idade fértil devem assinar um termo de ciência, compromisso e responsabilidade, atestando que não estão grávidas e se comprometendo a não engravidar durante todo o tratamento. Apesar dessas medidas, entre 2011 e 2019, foram registrados cinco novos casos de focomelia associados ao uso da talidomida, indicando falhas no seguimento dos protocolos de prevenção da gravidez.

Dobramento Embrionário

Transição de um Disco Trilaminar para uma Estrutura Cilíndrica

Ao final da terceira semana, o embrião é um disco plano composto por três folhetos germinativos: a ectoderme (superior, correspondendo ao dorso), a mesoderme (intermediária) e a endoderme (inferior, correspondendo ao ventre). Para que a ectoderme revista toda a superfície corporal e a endoderme se posicione internamente, o embrião precisa passar por um processo de dobramento. Este processo ocorre em dois eixos principais: transversal e longitudinal, transformando a estrutura discoide em uma forma cilíndrica tridimensional.

Dobramento Transversal (Lateral)

O dobramento transversal, ou lateral, ocorre quando as bordas laterais do disco embrionário se dobram ventralmente e se fundem na linha média. Esse movimento é análogo a fechar um livro, fazendo com que a endoderme seja internalizada para formar o tubo intestinal primitivo, enquanto a ectoderme passa a revestir toda a superfície externa do corpo. A mesoderme permanece posicionada entre os dois folhetos. Este dobramento é responsável pela formação das paredes laterais e ventrais do corpo, conferindo ao embrião uma forma cilíndrica.

Dobramento Longitudinal: Prega Cefálica

O dobramento longitudinal ocorre nos eixos cefálico e caudal. Na região cefálica, antes do dobramento, a membrana bucofaríngea (futura boca) e a área cardiogênica (futuro coração) estão posicionadas cranialmente à placa neural. O crescimento extremamente rápido e a expansão da porção cefálica da ectoderme, que formará o encéfalo, superam o crescimento dos folhetos subjacentes. Esse crescimento diferencial força a região cefálica a se dobrar ventralmente. Como resultado, a membrana bucofaríngea e o coração são reposicionados para uma localização ventral, e uma porção da endoderme do saco vitelínico é incorporada para formar o intestino anterior.

Dobramento Longitudinal: Prega Caudal

Um processo similar ocorre na região caudal. O crescimento da porção distal do tubo neural força a extremidade caudal do embrião a se dobrar ventralmente. Este movimento reposiciona a membrana cloacal (futuro ânus) e o alantoide. Durante este processo, uma parte do saco vitelínico é incorporada para formar o intestino posterior. A combinação dos dobramentos cefálico e caudal faz com que o embrião, inicialmente plano, adquira uma curvatura característica em forma de "C". A cauda pós-anal, ou eminência caudal, formada durante este processo, é proeminente até a oitava semana, quando regride.

Mecanismo do Crescimento Diferencial

O principal motor do dobramento embrionário é o crescimento diferencial dos tecidos. A ectoderme, especialmente a neuroectoderme, prolifera a uma taxa muito mais acelerada do que a mesoderme e a endoderme. Como os três folhetos estão firmemente aderidos, a expansão da ectoderme sobre os folhetos de crescimento mais lento força o disco a se dobrar. Este fenômeno pode ser comparado ao crescimento de uma massa de pão em uma forma de tamanho limitado: ao expandir-se, a massa dobra-se sobre si mesma nas extremidades e laterais, um processo análogo ao que ocorre com o disco embrionário.

Resultados do Dobramento Embrionário

Ao final do processo de dobramento, a morfologia do embrião é radicalmente alterada. A ectoderme reveste completamente a superfície externa, a endoderme forma o tubo intestinal primitivo (dividido em intestino anterior, médio e posterior) e o revestimento de outros órgãos internos, e a mesoderme ocupa o espaço intermediário, dando origem a músculos, ossos e cavidades corporais. O intestino anterior dará origem à faringe, esôfago, estômago e porção inicial do duodeno. O intestino posterior formará o cólon descendente e o reto. O intestino médio, formado pela incorporação da parede do saco vitelínico durante o dobramento lateral, originará a maior parte do intestino delgado, o cólon ascendente e o transverso. O saco vitelínico, antes amplo, torna-se constrito e conectado ao intestino médio por um pedículo estreito.

Neurulação: Formação do Tubo Neural e Derivados

Visão Geral da Neurulação

A neurulação é o processo de formação da placa neural, das pregas neurais e o subsequente fechamento destas para formar o tubo neural, precursor do sistema nervoso central (encéfalo e medula espinhal). Este processo inicia-se na terceira semana e se completa ao final da quarta semana. A neurulação é indissociável do dobramento embrionário; o resultado final, a nêurula, é um embrião cilíndrico com um tubo neural interno e fechado. Este processo ocorre na quarta semana embrionária.

Formação e Fechamento do Tubo Neural

Inicialmente, a placa neural é uma estrutura plana de ectoderme espessada, localizada dorsalmente à notocorda. Por volta do 18º dia, a placa neural invagina-se ao longo de seu eixo central para formar o sulco neural, flanqueado por duas pregas neurais. Essas pregas elevam-se, aproximam-se e fundem-se na linha média dorsal, convertendo a placa neural em um tubo neural oco. A fusão inicia-se na região cervical e progride em direções cefálica e caudal. As extremidades abertas do tubo, os neuróporos cranial (cefálico) e caudal, fecham-se por volta do 25º e 27º dia, respectivamente. Ao final da quarta semana (28º dia), o tubo neural está completamente fechado.

Formação e Destino das Cristas Neurais

Durante a elevação das pregas neurais, uma população de células na crista de cada prega, a crista neural, se destaca. Essas células não são incorporadas nem ao tubo neural nem à ectoderme superficial que o recobre. Em vez disso, elas migram para diversas partes do embrião e se diferenciam em uma vasta gama de estruturas. Os derivados das células da crista neural incluem:

  • Gânglios espinhais (sensoriais) e gânglios do sistema nervoso autônomo.
  • Células da glia do sistema nervoso periférico, como as células de Schwann.
  • Medula da glândula adrenal.
  • Melanócitos, responsáveis pela pigmentação da pele.
  • Componentes do esqueleto craniofacial.
  • Odontoblastos, células formadoras da dentina dos dentes.

Defeitos de Fechamento do Tubo Neural (DFTN)

Anencefalia e a Importância do Ácido Fólico

A falha no fechamento do neuróporo cranial resulta em anencefalia, uma condição caracterizada pela ausência parcial ou total do encéfalo e da abóbada craniana. Como o desenvolvimento do crânio é induzido pelo encéfalo subjacente, a ausência deste impede a formação da calota craniana, deixando o tecido neural rudimentar exposto. A anencefalia é incompatível com a vida extrauterina. A incidência de defeitos do tubo neural está associada a fatores ambientais e nutricionais, notavelmente a deficiência de ácido fólico. A suplementação com ácido fólico é uma medida preventiva crucial. No Brasil, farinhas e cereais são enriquecidos com ácido fólico para mitigar a deficiência na população geral.

Momento da Suplementação de Ácido Fólico

Algo frequentemente cobrado em provas é o momento ideal para a suplementação de ácido fólico. Como o fechamento do tubo neural ocorre entre o 25º e o 27º dia de gestação, a suplementação deve idealmente começar antes da concepção (recomenda-se de três a seis meses antes) para garantir níveis adequados durante este período crítico. A descoberta da gravidez geralmente ocorre após o fechamento do tubo neural. No entanto, a suplementação é mantida durante o primeiro trimestre, pois o ácido fólico é essencial para a síntese de nucleotídeos e, consequentemente, para a rápida proliferação celular que caracteriza todo o desenvolvimento embrionário, não apenas a neurulação.

Espinha Bífida: Tipos e Gravidade

A falha no fechamento do tubo neural em regiões mais caudais resulta em espinha bífida, um defeito que afeta a coluna vertebral. A gravidade é variável:

  1. Espinha Bífida Oculta: A forma mais branda. Ocorre uma falha na fusão dos arcos vertebrais, mas a medula espinhal e as meninges permanecem em sua posição normal, sem herniação. A pele sobrejacente geralmente está intacta, podendo apresentar uma mancha, um tufo de pelos ou uma depressão cutânea como único sinal externo.
  2. Meningocele: Uma forma mais grave, na qual as meninges se projetam através do defeito ósseo, formando um saco cístico preenchido por líquido cefalorraquidiano. A medula espinhal, no entanto, permanece em sua localização normal.
  3. Mielomeningocele: A forma mais grave de espinha bífida. Tanto as meninges quanto a própria medula espinhal se projetam através do defeito vertebral, formando um saco na superfície dorsal. Esta condição está associada a déficits neurológicos significativos abaixo do nível da lesão.
O diagnóstico pré-natal é possível por meio de ultrassonografia morfológica no segundo trimestre. O tratamento varia conforme a gravidade, podendo incluir cirurgias corretivas, fisioterapia e outras terapias de suporte.

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