1.1. Introdução e Epidemiologia
O pneumotórax hipertensivo é uma emergência médica absoluta, definida pelo acúmulo de ar no espaço pleural sob pressão crescente. Esta condição ameaçadora à vida resulta em colapso pulmonar completo, desvio do mediastino e, consequentemente, grave comprometimento hemodinâmico. É um diagnóstico crítico no contexto do trauma torácico, tanto contuso quanto penetrante, e representa uma das principais causas de choque obstrutivo e morte evitável na avaliação primária (o "B" de Breathing no ABCDE do trauma).
1.2. Fisiopatologia
A base fisiopatológica do pneumotórax hipertensivo é a formação de um mecanismo de válvula unidirecional. Uma lesão no parênquima pulmonar ou na parede torácica permite que o ar entre no espaço pleural durante a inspiração, mas impede sua saída durante a expiração. A cada ciclo respiratório, a quantidade de ar aprisionado aumenta, elevando progressivamente a pressão intrapleural.
Essa pressão crescente leva a uma cascata de eventos deletérios:
Colapso Pulmonar: O pulmão ipsilateral é completamente comprimido, resultando em shunt intrapulmonar massivo e hipóxia grave.
Desvio do Mediastino: O aumento da pressão empurra o mediastino (coração, grandes vasos, traqueia) para o lado contralateral.
Compressão dos Grandes Vasos: O desvio mediastinal e a pressão intratorácica elevada comprimem as veias cavas superior e inferior, reduzindo drasticamente o retorno venoso ao coração.
Choque Obstrutivo: A diminuição do retorno venoso leva a uma queda crítica na pré-carga, no volume sistólico e, finalmente, no débito cardíaco, culminando em choque profundo e colapso cardiovascular.
Conceito-Chave (Validado em Prova - ENARE 2024): O mecanismo envolve uma válvula unidirecional que permite a entrada, mas não a saída de ar do espaço pleural, levando ao colapso pulmonar, desvio do mediastino e diminuição do retorno venoso, caracterizando um choque obstrutivo.
1.3. Apresentação Clínica e Exame Físico
O quadro clínico é dramático e de rápida evolução. O paciente apresenta uma combinação de insuficiência respiratória aguda e choque. Os achados clássicos incluem:
Insuficiência Respiratória: Dispneia intensa, taquipneia, uso de musculatura acessória e cianose.
Instabilidade Hemodinâmica: Taquicardia (frequentemente >140 bpm) e hipotensão progressiva.
Exame do Tórax:
Ausência unilateral de murmúrio vesicular no lado afetado.
Hipertimpanismo à percussão do hemitórax afetado.
Sinais de Choque Obstrutivo: Distensão venosa jugular (estase jugular) devido à compressão da veia cava superior.
Pérola Clínica: O desvio da traqueia para o lado contralateral à lesão é um sinal clássico, porém tardio e ominoso. A ausência deste sinal não exclui o diagnóstico, e o tratamento não deve ser postergado enquanto se aguarda seu aparecimento.
1.4. Avaliação Diagnóstica
O diagnóstico do pneumotórax hipertensivo é eminentemente clínico e deve ser feito rapidamente durante a avaliação primária do trauma. Atrasar o tratamento para obter confirmação por imagem é um erro fatal.
Conceito-Chave (Validado em Prova - ENARE 2024): O diagnóstico é clínico, baseado nos sinais de insuficiência respiratória (dispneia, ausência de murmúrio vesicular, hipertimpanismo) e instabilidade hemodinâmica (hipotensão, taquicardia). O desvio de traqueia é um sinal tardio.
Em situações raras onde o diagnóstico é incerto e o paciente está transitoriamente estável, exames complementares podem ser utilizados:
Ultrassonografia (eFAST): O eFAST (Extended Focused Assessment with Sonography for Trauma) é uma ferramenta rápida e útil à beira do leito. O achado característico é a ausência de deslizamento pleural (lung sliding) no hemitórax afetado.
Radiografia de Tórax: Realizada apenas se o paciente estiver estável ou após a descompressão inicial. Os achados incluem colapso total do pulmão, desvio contralateral do mediastino e da traqueia, e rebaixamento da hemicúpula diafragmática ipsilateral.
1.5. Tratamento e Manejo
O tratamento é uma emergência e deve ser realizado imediatamente após a suspeita clínica, sem aguardar confirmação radiológica.
Medida Imediata e Salvadora: Descompressão Torácica por Agulha (Toracocentese de Alívio)
Objetivo: Converter o pneumotórax hipertensivo em um pneumotórax simples, aliviando a pressão e permitindo a estabilização hemodinâmica.
Técnica: Inserção de um cateter sobre agulha de grosso calibre (ex: jelco 14G ou 16G) em um dos seguintes locais:
5º espaço intercostal, linha axilar anterior ou média (local preferencial segundo o ATLS 10ª Ed.): Esta localização é preferível por ter uma parede torácica mais fina na maioria dos pacientes, aumentando a chance de sucesso.
2º espaço intercostal, linha hemiclavicular: Localização clássica, porém com maior taxa de falha devido à espessura da parede torácica (músculo peitoral e tecido adiposo).
A saída de um sibilo de ar confirma o diagnóstico e o sucesso do procedimento, com melhora rápida dos parâmetros vitais.
Tratamento Definitivo: Drenagem Torácica (Toracostomia com Dreno)
Objetivo: Evacuar completamente o ar do espaço pleural e permitir a reexpansão pulmonar.
Técnica: A descompressão por agulha é uma medida temporária. Todo paciente submetido a este procedimento necessita de uma drenagem torácica em selo d'água subsequente. O dreno (calibre 28 a 32 French em adultos) é tipicamente inserido no 5º espaço intercostal, na linha axilar anterior.
Conceito-Chave (Validado em Prova - ENARE 2024): O manejo imediato consiste na descompressão por agulha, seguida pela inserção de um dreno torácico (toracostomia).
1.6. Complicações e Prognóstico
A principal complicação é a falha no reconhecimento e tratamento, que leva invariavelmente à parada cardiorrespiratória (PCR) em Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP) e morte em poucos minutos.
As complicações associadas ao tratamento incluem:
Falha na descompressão por agulha (agulha curta, local incorreto).
Lesão do parênquima pulmonar.
Lesão de vasos intercostais com consequente hemotórax iatrogênico.
Posicionamento incorreto do dreno torácico.
O prognóstico é excelente se o diagnóstico for feito e o tratamento instituído de forma rápida e correta. A melhora clínica e hemodinâmica após a descompressão costuma ser imediata e dramática.
1.7. Populações Especiais
Pacientes em Ventilação com Pressão Positiva (VPP): Pacientes intubados e sob VPP têm um risco significativamente maior de desenvolver pneumotórax hipertensivo a partir de um pneumotórax simples. Qualquer deterioração súbita (hipotensão, hipóxia) em um paciente traumatizado sob VPP deve levantar a suspeita imediata desta condição.
População Pediátrica: Os princípios de diagnóstico e tratamento são os mesmos. No entanto, o equipamento deve ser dimensionado de acordo com a idade e o peso da criança. A descompressão por agulha e a toracostomia devem ser realizadas com cateteres e drenos de calibre apropriado para evitar lesões iatrogênicas.

