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Medicina UFPR

Trauma Abdominal - Atendimento e Avaliação Inicial

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1.1. Introdução e Epidemiologia

O trauma abdominal é uma condição de alta morbimortalidade, representando uma causa significativa de morte evitável em pacientes politraumatizados. A cavidade abdominal abriga múltiplos sistemas orgânicos, e lesões nessa região podem levar a hemorragias maciças, peritonite e sepse. A abordagem inicial rápida e sistematizada, seguindo os preceitos do ATLS® (Advanced Trauma Life Support), é fundamental para melhorar os desfechos.

O trauma abdominal é classificado com base no mecanismo de lesão em duas categorias principais:

  • Trauma Abdominal Contuso (Fechado): Resulta da aplicação de uma força sobre o abdome sem violar a integridade do peritônio. É o tipo mais comum, correspondendo a cerca de 80-90% dos casos em ambientes civis. Os principais mecanismos incluem colisões de veículos automotores, quedas de altura, agressões físicas e acidentes esportivos.
  • Trauma Abdominal Penetrante (Aberto): Ocorre quando um objeto perfura a parede abdominal e viola a cavidade peritoneal. É subdividido com base no agente causador:
    • Ferimentos por Arma Branca (FAB): Geralmente causam lesões por laceração direta ao longo do trajeto do objeto.
    • Ferimentos por Arma de Fogo (FAF): Causam lesões mais complexas e extensas devido à alta energia cinética, que gera uma cavidade temporária e dano tecidual à distância do trajeto do projétil.

Epidemiologia das Lesões de Órgãos

O padrão de lesão orgânica varia significativamente com o mecanismo do trauma:

  • No trauma contuso: Órgãos sólidos são os mais acometidos devido a forças de compressão e desaceleração. A ordem de frequência é:
    1. Baço: É o órgão mais frequentemente lesado no trauma abdominal contuso.
    2. Fígado: O segundo órgão mais acometido, porém as lesões hepáticas graves são a principal causa de morte por hemorragia no trauma abdominal.
    3. Rins e Intestino Delgado: Menos frequentemente lesados em comparação com baço e fígado.
  • No trauma penetrante: A lesão depende do trajeto do objeto. Vísceras ocas são mais vulneráveis devido à sua maior área de superfície.
    • FAB: Fígado, intestino delgado, diafragma e cólon são os mais comuns.
    • FAF: Intestino delgado, cólon, fígado e estruturas vasculares são os mais acometidos.

Pérola Clínica: O "sinal do cinto de segurança" (equimose linear na parede abdominal) deve levantar alta suspeita para lesões de vísceras ocas (intestino delgado) e fraturas vertebrais por flexão-distração (lesão de Chance), mesmo em um paciente com exame físico inicialmente benigno.

1.2. Fisiopatologia e Biomecânica da Lesão

A compreensão da biomecânica da lesão é crucial para antecipar os padrões de lesões e guiar a avaliação diagnóstica. Os mecanismos que causam dano aos órgãos abdominais diferem entre o trauma contuso e o penetrante.

Mecanismos no Trauma Contuso

  • Compressão: Forças diretas, como um golpe ou compressão contra o volante, esmagam os órgãos entre a parede abdominal anterior e as estruturas posteriores (coluna vertebral e musculatura paravertebral). Este mecanismo é a principal causa de lesão em órgãos sólidos como fígado e baço, podendo levar a lacerações e hematomas.
  • Desaceleração: A parada súbita do corpo causa movimento diferencial entre as partes dos órgãos, gerando forças de cisalhamento. Isso é particularmente relevante em pontos de fixação anatômica, como o ligamento teres do fígado, os pedículos renais e a junção duodenojejunal. O resultado são lacerações e avulsões vasculares.
  • Aumento da Pressão Intra-abdominal: Uma compressão externa súbita e severa eleva drasticamente a pressão dentro da cavidade abdominal, podendo levar à ruptura de vísceras ocas (estômago, bexiga, intestinos), um fenômeno semelhante a um "estouro de balão".

Mecanismos no Trauma Penetrante

  • Lesão por Baixa Velocidade (ex: Arma Branca): O dano é primariamente causado pela laceração e transecção dos tecidos que estão no trajeto direto do objeto. A extensão da lesão é mais previsível, embora múltiplos ferimentos possam complicar a avaliação.
  • Lesão por Alta Velocidade (ex: Arma de Fogo): Além do dano direto pelo projétil, a alta transferência de energia cinética cria uma "cavidade temporária" que se expande e colapsa rapidamente, lesando estruturas adjacentes que não foram diretamente atingidas. Isso resulta em um dano tecidual muito mais extenso e imprevisível.

A Tríade Letal do Trauma

A "tríade letal" é um ciclo vicioso fisiopatológico que ocorre em pacientes com trauma grave e hemorragia maciça, sendo um preditor de alta mortalidade. Seus componentes se retroalimentam:

  1. Coagulopatia: A perda sanguínea e a reposição volêmica com fluidos sem fatores de coagulação levam à diluição desses fatores. A acidose e a hipotermia inibem a cascata de coagulação, piorando o sangramento.
  2. Acidose Metabólica: A hipoperfusão tecidual devido à hemorragia leva ao metabolismo anaeróbico e acúmulo de ácido lático. A acidose diminui a contratilidade miocárdica e agrava a coagulopatia.
  3. Hipotermia: A exposição do paciente, a infusão de fluidos frios e a perda de sangue (que é quente) levam à queda da temperatura corporal. A hipotermia prejudica a função plaquetária e a cascata de coagulação, perpetuando a hemorragia.

Pérola Clínica: A identificação e interrupção precoce da tríade letal são os pilares da Cirurgia de Controle de Danos. Medidas como o uso de fluidos aquecidos, transfusão de hemocomponentes na proporção 1:1:1 (hemácias:plasma:plaquetas) e abreviação do procedimento cirúrgico são essenciais.

1.3. Avaliação Primária e Secundária (ABCDE)

A abordagem ao paciente com trauma abdominal segue rigorosamente a sistematização do ATLS®, priorizando o tratamento de lesões que ameaçam a vida de forma imediata. A avaliação é dividida em primária e secundária.

Avaliação Primária (ABCDE)

O objetivo é identificar e tratar condições de risco de vida iminente. Cada passo deve ser concluído antes de prosseguir para o seguinte.

  • A - Airway (Vias Aéreas com Proteção da Coluna Cervical): Assegurar a perviedade das vias aéreas. Em pacientes com rebaixamento do nível de consciência (Glasgow ≤ 8) ou trauma maxilofacial grave, a intubação orotraqueal está indicada, sempre com estabilização manual da coluna cervical.
  • B - Breathing (Respiração e Ventilação): Avaliar a qualidade da respiração, frequência respiratória e simetria da expansão torácica. Lesões torácicas associadas (pneumotórax, hemotórax) são comuns e devem ser tratadas imediatamente.
  • C - Circulation (Circulação com Controle da Hemorragia): Esta é a etapa mais crítica no trauma abdominal.
    • Controle da Hemorragia: A principal causa de morte é o choque hemorrágico. Fontes externas de sangramento devem ser controladas por compressão direta. A hemorragia interna no abdome é suspeitada em todo paciente hipotenso sem outra causa óbvia.
    • Acesso Venoso e Reposição Volêmica: Obter dois acessos venosos periféricos de grosso calibre (ex: 14G ou 16G). Iniciar a infusão de solução cristaloide aquecida (Ringer Lactato ou Soro Fisiológico 0,9%). Em choque grave, a transfusão de sangue (tipo O negativo, se o tipo do paciente for desconhecido) e a ativação de protocolos de transfusão maciça são prioritárias.
  • D - Disability (Incapacidade, Estado Neurológico): Avaliar o nível de consciência usando a Escala de Coma de Glasgow (ECG) e o status pupilar. Alterações podem indicar hipóxia, hipoperfusão cerebral ou trauma cranioencefálico associado.
  • E - Exposure (Exposição e Controle do Ambiente): Despir completamente o paciente para permitir um exame completo da cabeça aos pés, procurando por lesões não identificadas. Simultaneamente, prevenir a hipotermia cobrindo o paciente com cobertores aquecidos.

Avaliação Secundária

Iniciada após a conclusão da avaliação primária e a estabilização inicial do paciente. Consiste em uma história detalhada e um exame físico completo.

  • História AMPLA:
    • Alergias
    • Medicamentos de uso habitual (especial atenção a anticoagulantes)
    • Passado médico / Prenhez
    • Líquidos e alimentos ingeridos recentemente
    • Ambiente e eventos relacionados ao trauma
  • Exame Físico Abdominal Detalhado:
    • Inspeção: Procurar por abrasões, contusões (sinal do cinto de segurança), lacerações, feridas penetrantes, evisceração ou empalamento. Equimoses tardias como o sinal de Cullen (periumbilical) e o sinal de Grey-Turner (flancos) sugerem hemorragia retroperitoneal, mas são raramente vistas na fase aguda.
    • Ausculta: A ausência de ruídos hidroaéreos pode indicar íleo paralítico por irritação peritoneal. No entanto, a presença de ruídos não exclui lesão.
    • Percussão: Timpanismo pode sugerir pneumoperitônio, enquanto macicez pode indicar hemoperitônio. A presença de dor à percussão é um sinal fidedigno de irritação peritoneal.
    • Palpação: Avaliar a presença de dor, defesa voluntária ou involuntária (rigidez) e dor à descompressão brusca. Sinais de peritonite (defesa involuntária, dor à descompressão) são fortes indicativos de lesão intra-abdominal e necessidade de intervenção cirúrgica.
  • Exames Adicionais: O toque retal pode avaliar o tônus do esfíncter (lesão medular) e identificar sangue (lesão colorretal). O exame vaginal pode detectar lacerações. A passagem de sonda nasogástrica (se não houver contraindicação) e sonda vesical de demora (após excluir lesão uretral) é importante para descompressão e monitorização.

1.4. Propedêutica Diagnóstica e Imagem

A escolha do método diagnóstico no trauma abdominal é ditada pela estabilidade hemodinâmica do paciente e pelo mecanismo da lesão. O objetivo é responder rapidamente à pergunta: "Há sangramento intra-abdominal que necessita de intervenção imediata?".

FAST e eFAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma)

  • Indicação: Método de imagem inicial de escolha para o paciente hemodinamicamente instável com trauma toracoabdominal contuso.
  • Objetivo: Detectar a presença de líquido livre (presumivelmente sangue) na cavidade peritoneal ou pericárdica. O eFAST (extended FAST) adiciona a avaliação das pleuras para detectar pneumotórax e hemotórax.
  • Técnica: É um exame rápido, não invasivo e realizado à beira do leito, avaliando quatro janelas clássicas:
    1. Espaço hepatorrenal (saco de Morison): O local mais sensível para detectar líquido livre em um paciente em decúbito dorsal.
    2. Espaço esplenorrenal.
    3. Fundo de saco pélvico (retrovesical).
    4. Saco pericárdico (janela subxifoide).
  • Interpretação: Um FAST positivo em um paciente instável é indicação de laparotomia exploradora imediata. Um FAST negativo não exclui lesão, especialmente em órgãos retroperitoneais ou vísceras ocas.

Tomografia Computadorizada (TC) de Abdome com Contraste

  • Indicação: Padrão-ouro para avaliação de pacientes hemodinamicamente estáveis com trauma abdominal contuso ou penetrante selecionado.
  • Vantagens: Fornece imagens detalhadas de órgãos sólidos e retroperitoneais, permitindo identificar e graduar lesões específicas (ex: lacerações hepáticas/esplênicas), detectar sangramento ativo ("blush" arterial), e avaliar lesões de vísceras ocas e vasculares. É fundamental para planejar o tratamento não operatório.
  • Desvantagens: Requer transporte do paciente para o tomógrafo, tempo para realização e exposição à radiação e contraste. É contraindicada em pacientes instáveis.

Lavagem Peritoneal Diagnóstica (LPD)

Embora largamente substituída pelo FAST e pela TC, a LPD ainda tem seu lugar em cenários específicos.

  • Indicação: Paciente hemodinamicamente instável com trauma contuso e FAST inconclusivo ou indisponível.
  • Técnica: Uma pequena incisão infraumbilical é feita e um cateter é inserido na cavidade peritoneal. Se a aspiração inicial revelar >10 mL de sangue franco, o exame é considerado positivo. Caso contrário, 1L de solução salina aquecida é infundido e depois drenado por gravidade para análise laboratorial.
  • Critérios de Positividade (no trauma contuso):
    • Aspiração inicial de >10 mL de sangue.
    • Contagem de hemácias no lavado > 100.000 células/mm³.
    • Contagem de leucócitos no lavado > 500 células/mm³.
    • Presença de bile, bactérias ou fibras vegetais no lavado.

Radiografias Simples

  • Radiografia de Tórax (AP em decúbito): Essencial na avaliação primária para identificar pneumotórax, hemotórax, fraturas de arcos costais e alargamento do mediastino. Em um paciente estável que pode ficar em ortostase, pode revelar pneumoperitônio (ar livre subdiafragmático), um sinal de perfuração de víscera oca e indicação de laparotomia imediata.
  • Radiografia de Pelve (AP): Obrigatória em pacientes com trauma contuso de alta energia, dor pélvica ou instabilidade hemodinâmica inexplicada. Fraturas pélvicas, especialmente as de "livro aberto", podem causar hemorragia maciça.

1.5. Tratamento e Manejo

O manejo do trauma abdominal é guiado por um algoritmo que se baseia primariamente na estabilidade hemodinâmica do paciente e, secundariamente, nos achados do exame físico e de imagem.

Indicações de Laparotomia Exploradora Imediata

A decisão de operar de emergência é clínica e visa controlar a hemorragia e a contaminação peritoneal. As indicações absolutas incluem:

  • Instabilidade hemodinâmica com evidência de sangramento intra-abdominal (ex: FAST positivo ou LPD positiva).
  • Sinais de irritação peritoneal (defesa involuntária, dor à descompressão brusca).
  • Evisceração (exteriorização de órgãos abdominais através de uma ferida).
  • Empalamento (o objeto deve ser removido apenas no centro cirúrgico).
  • Evidência de pneumoperitônio em exames de imagem (radiografia ou TC), indicando perfuração de víscera oca.
  • Ferimentos por arma de fogo que atravessam a cavidade peritoneal.
  • Sangue vivo no toque retal ou na sonda nasogástrica após trauma penetrante.

Pérola Clínica: O conceito-chave validado é claro: Em um paciente hemodinamicamente instável com trauma abdominal contuso e exame FAST positivo, o próximo passo é a laparotomia exploradora. Não há tempo para exames adicionais como a tomografia computadorizada.

Tratamento Não Operatório (TNO)

O TNO é o padrão-ouro para pacientes selecionados, visando evitar uma laparotomia não terapêutica e suas complicações.

  • Indicação: Pacientes hemodinamicamente estáveis, sem sinais de peritonite, com lesões de órgãos sólidos (fígado, baço, rim) identificadas e graduadas pela TC.
  • Requisitos para o TNO seguro:
    1. Estabilidade hemodinâmica persistente.
    2. Ausência de outras indicações para laparotomia.
    3. Disponibilidade de monitorização contínua em ambiente de terapia intensiva (UTI).
    4. Capacidade de realizar exames físicos seriados.
    5. Acesso imediato a centro cirúrgico e hemoderivados 24/7.
    6. Disponibilidade de TC para reavaliação, se necessário.
  • Papel da Angioembolização: Em pacientes submetidos a TNO que apresentam sangramento ativo na TC (extravasamento de contraste ou "blush"), a arteriografia com embolização seletiva é uma ferramenta crucial para controlar a hemorragia sem a necessidade de cirurgia aberta.

Manejo Seletivo do Trauma Penetrante

Enquanto a maioria dos ferimentos por arma de fogo requer exploração cirúrgica, uma abordagem seletiva é possível para alguns ferimentos por arma branca.

  • Critérios: O paciente deve estar hemodinamicamente estável, sem peritonite, evisceração ou empalamento.
  • Conduta: Estes pacientes podem ser manejados com observação clínica rigorosa e exames abdominais seriados. Qualquer sinal de deterioração hemodinâmica ou desenvolvimento de peritonite indica falha do tratamento conservador e necessidade de laparotomia. A exploração digital da ferida pode ser realizada para avaliar se houve violação da fáscia posterior.

Cirurgia de Controle de Danos (Damage Control Surgery)

Para os pacientes mais graves, que se apresentam com a "tríade letal" (hipotermia, acidose, coagulopatia), uma laparotomia completa e definitiva é mal tolerada.

  • Princípio: Realizar uma cirurgia abreviada com três objetivos principais:
    1. Controle da hemorragia (ligaduras, compressas - "packing").
    2. Controle da contaminação (sutura rápida de perfurações intestinais ou clampeamento).
    3. Fechamento abdominal temporário (ex: bolsa de Bogotá).
  • Fases: O paciente é então transferido para a UTI para reanimação intensiva e correção dos distúrbios fisiológicos. Após a estabilização (geralmente em 24-48 horas), ele retorna ao centro cirúrgico para a reoperação planejada e reparos definitivos.

1.6. Complicações e Prognóstico

As complicações do trauma abdominal podem ser precoces, ocorrendo nas primeiras horas ou dias, ou tardias, manifestando-se semanas a anos após o evento inicial. O prognóstico depende de múltiplos fatores, incluindo a gravidade das lesões e a rapidez do tratamento.

Complicações Precoces

  • Hemorragia Contínua: A complicação mais imediata e letal. Pode ser causada por uma lesão não identificada, controle inadequado da fonte de sangramento ou coagulopatia.
  • Lesões Perdidas (Missed Injuries): Lesões não diagnosticadas durante a avaliação inicial. As mais comuns são as de vísceras ocas (intestino delgado, cólon), pâncreas e diafragma, pois podem não ser evidentes na TC inicial. Atraso no diagnóstico leva a peritonite, sepse e aumento da mortalidade.
  • Síndrome Compartimental Abdominal (SCA): Uma complicação grave caracterizada pelo aumento patológico da pressão intra-abdominal (PIA > 20 mmHg) associado à nova disfunção orgânica. É causada por edema de alças, hematomas, ou reposição volêmica maciça. A PIA elevada comprime a veia cava inferior (reduzindo o retorno venoso), eleva o diafragma (comprometendo a ventilação) e diminui a perfusão dos órgãos abdominais. O diagnóstico é feito medindo a pressão da bexiga vesical, e o tratamento é a laparotomia descompressiva.

Complicações Tardias

  • Abscesso Intra-abdominal: Coleção purulenta que se forma dias a semanas após o trauma, geralmente por contaminação não controlada ou vazamento de uma anastomose. O tratamento envolve drenagem (percutânea ou cirúrgica) e antibioticoterapia.
  • Obstrução Intestinal: Geralmente causada por aderências (bridas) que se formam após a manipulação cirúrgica ou o processo inflamatório peritoneal.
  • Fístulas: Comunicações anormais entre o trato gastrointestinal e a pele (enterocutânea) ou outro órgão.
  • Hérnias Incisionais: Ocorrem no local da laparotomia, especialmente em pacientes que necessitaram de fechamento sob tensão ou que desenvolveram infecção de ferida operatória.

Fatores Prognósticos

O desfecho do paciente com trauma abdominal é influenciado por:

  • Mecanismo da Lesão: Ferimentos por arma de fogo têm o pior prognóstico, seguidos por trauma contuso de alta energia.
  • Gravidade da Lesão: Escores de trauma como o Injury Severity Score (ISS) correlacionam-se diretamente com a mortalidade.
  • Fatores do Paciente: Idade avançada, presença de comorbidades (doença cardíaca, diabetes) e uso de anticoagulantes pioram o prognóstico.
  • Tempo para Tratamento Definitivo: A "hora de ouro" ("golden hour") é um conceito crucial. O atraso no controle da hemorragia e da contaminação aumenta drasticamente a mortalidade.
  • Presença da Tríade Letal: A instalação de hipotermia, acidose e coagulopatia é um forte preditor de morte.

1.7. Populações Especiais

A abordagem do trauma abdominal deve ser adaptada para certas populações que apresentam particularidades anatômicas, fisiológicas e padrões de lesão distintos.

Gestantes

  • Alterações Anatômicas e Fisiológicas: O útero gravídico desloca as vísceras para o abdome superior, tornando-as mais vulneráveis ao trauma. A gestante possui uma hipervolemia fisiológica, podendo perder até 30-35% do seu volume sanguíneo antes de manifestar hipotensão, mascarando a gravidade do choque. A prioridade é sempre o tratamento da mãe, pois a melhor reanimação fetal é a reanimação materna adequada.
  • Risco Fetal: O feto está em risco por lesão direta, hipóxia materna, descolamento prematuro de placenta ou parto prematuro.
  • Manejo: Após a 20ª semana, a paciente deve ser mantida em decúbito lateral esquerdo para evitar a compressão da veia cava pelo útero. A monitorização fetal (cardiotocografia) deve ser iniciada assim que a mãe estiver estabilizada. A avaliação por um obstetra é mandatória.

Pacientes Pediátricos

  • Padrões de Lesão: As crianças têm uma parede abdominal mais fina e costelas mais elásticas, oferecendo menos proteção aos órgãos internos. Isso resulta em uma maior incidência de lesões de múltiplos órgãos no trauma contuso.
  • Fisiologia: Possuem uma reserva fisiológica robusta, mantendo a pressão arterial normal por mais tempo, mesmo com perdas sanguíneas significativas. No entanto, a descompensação, quando ocorre, é súbita e catastrófica. Taquicardia e má perfusão periférica são sinais de choque mais precoces que a hipotensão.
  • Manejo: Há uma forte ênfase no tratamento não operatório (TNO) de lesões de órgãos sólidos (especialmente baço e fígado), que tem taxas de sucesso muito altas nesta população. O cálculo de fluidos e medicamentos deve ser baseado no peso.

Pacientes Geriátricos

  • Reserva Fisiológica Reduzida: Idosos têm menor capacidade de compensar o estresse fisiológico do trauma. Doenças cardíacas e pulmonares pré-existentes limitam a resposta ao choque e à reanimação volêmica.
  • Comorbidades e Medicações: O uso de betabloqueadores pode mascarar a taquicardia do choque. Anticoagulantes e antiagregantes plaquetários aumentam significativamente o risco de hemorragia grave e complicam o manejo.
  • Prognóstico: A morbimortalidade é consideravelmente maior em pacientes geriátricos em comparação com adultos jovens com o mesmo escore de gravidade da lesão (ISS). Eles requerem um limiar mais baixo para admissão em UTI e uma abordagem agressiva para prevenir complicações como pneumonia e tromboembolismo.

Pérola Clínica: Em um paciente idoso em uso de betabloqueador, a ausência de taquicardia não exclui choque hemorrágico. Sinais de hipoperfusão, como alteração do nível de consciência, pele fria e pegajosa, e acidose metabólica, são mais confiáveis.

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