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Medicina UFPR

Hemotórax Maciço

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Introdução e Epidemiologia

O hemotórax maciço é uma emergência médica e cirúrgica definida pelo acúmulo rápido e volumoso de sangue no espaço pleural. De acordo com as diretrizes do Advanced Trauma Life Support (ATLS), a condição é caracterizada por uma perda de sangue superior a 1.500 mL no momento da inserção de um dreno torácico, ou por um sangramento contínuo superior a 200 mL por hora nas primeiras 2 a 4 horas após a drenagem inicial. Esta condição representa uma das lesões torácicas mais graves e com risco iminente de morte.

A principal causa do hemotórax maciço é o trauma torácico, tanto penetrante (ex: ferimentos por arma de fogo ou arma branca) quanto contuso (ex: acidentes automobilísticos de alta energia, quedas de altura). As estruturas vasculares mais comumente lesadas que levam a este quadro incluem:

  • Grandes vasos do tórax (aorta, veias cavas, artérias e veias subclávias).

  • Vasos hilares (artérias e veias pulmonares).

  • Artérias sistêmicas da parede torácica (artérias intercostais ou mamárias internas).

Lesões do parênquima pulmonar raramente causam hemotórax maciço, pois os vasos pulmonares operam sob baixa pressão e o sangue no espaço pleural tende a tamponar o sangramento. A epidemiologia está diretamente ligada à incidência de trauma grave, sendo mais comum em homens jovens, que representam a principal população de risco para traumas de alta energia.

3.2. Patofisiologia

A fisiopatologia do hemotórax maciço envolve duas ameaças simultâneas e sinérgicas à vida do paciente: o choque hipovolêmico e o comprometimento respiratório agudo.

1. Choque Hipovolêmico: A perda rápida de um grande volume de sangue do compartimento intravascular para a cavidade torácica leva a uma diminuição drástica do retorno venoso (pré-carga) ao coração. Consequentemente, o débito cardíaco cai vertiginosamente, resultando em hipoperfusão tecidual sistêmica e choque hemorrágico grave. Um adulto médio possui cerca de 5 litros de sangue, e a perda de 1.500 mL representa aproximadamente 30% da volemia total, configurando um choque classe III.

2. Comprometimento Respiratório: O volume de sangue acumulado no espaço pleural comprime o pulmão ipsilateral, causando atelectasia e colapso alveolar. Isso gera um desequilíbrio na relação ventilação/perfusão (shunt intrapulmonar), levando à hipoxemia. Em casos extremos, o grande volume de sangue pode desviar o mediastino e as estruturas traqueobrônquicas para o lado contralateral, comprimindo o pulmão sadio e as grandes veias (cava superior e inferior), o que agrava ainda mais a hipoxemia e a redução do retorno venoso, mimetizando os efeitos hemodinâmicos de um pneumotórax hipertensivo.

Essa combinação de colapso circulatório e falência respiratória cria um ciclo vicioso que, se não for interrompido rapidamente, leva à parada cardiorrespiratória e ao óbito.

3.3. Apresentação Clínica e Exame Físico

O paciente com hemotórax maciço apresenta-se em estado crítico, com sinais e sintomas evidentes de choque hemorrágico e insuficiência respiratória. A suspeita clínica deve ser imediata em qualquer vítima de trauma torácico com instabilidade hemodinâmica.

Sinais de Choque Hipovolêmico:

  • Palidez cutânea, extremidades frias e pegajosas.

  • Taquicardia (frequentemente > 120 bpm).

  • Hipotensão arterial (PAS < 90 mmHg).

  • Pulso filiforme e rápido.

  • Tempo de enchimento capilar lentificado (> 2 segundos).

  • Alteração do nível de consciência (agitação, confusão ou coma).

Sinais de Comprometimento Respiratório:

  • Taquipneia e dispneia intensa.

  • Uso de musculatura acessória.

  • Hipoxemia (saturação de oxigênio baixa).

Achados do Exame Físico do Tórax:

  • Inspeção: Pode haver assimetria da expansibilidade torácica, com o lado afetado movendo-se menos.

  • Palpação: O frêmito tóraco-vocal está diminuído ou ausente no hemitórax acometido.

  • Percussão: O achado clássico é a macicez em todo o hemitórax afetado, devido à presença de líquido (sangue).

  • Ausculta: O murmúrio vesicular está diminuído ou abolido no lado do hemotórax.

Pérola Clínica: As veias do pescoço (jugulares) em um paciente com hemotórax maciço estão tipicamente colabadas (planas) devido à hipovolemia severa. No entanto, se houver um pneumotórax hipertensivo associado ou tamponamento cardíaco, as veias jugulares podem estar distendidas, criando um quadro clínico confuso. A presença de choque com macicez à percussão torácica é o sinal mais fidedigno para o diagnóstico diferencial.

3.4. Avaliação Diagnóstica

Em um paciente instável com trauma torácico, o diagnóstico do hemotórax maciço é primariamente clínico e deve ser feito durante a avaliação primária (ABCDE do trauma). Exames de imagem confirmam a suspeita, mas não devem atrasar as medidas de reanimação e tratamento definitivo.

Avaliação Primária (ATLS): A combinação de choque (C - Circulação) e comprometimento respiratório (B - Respiração) com achados de exame físico de macicez e ausência de murmúrio vesicular em um hemitórax é suficiente para o diagnóstico presuntivo e para a indicação de drenagem torácica imediata.

Radiografia de Tórax (AP em decúbito dorsal): É o exame de imagem mais comum no ambiente de trauma. No paciente em decúbito dorsal, o sangue se espalha pela porção posterior da cavidade pleural, causando uma opacificação difusa (aspecto de "véu") do hemitórax. Pode haver perda da definição da cúpula diafragmática e do contorno cardíaco. Uma opacificação que atinge o ápice pulmonar sugere um volume de sangue superior a 1.000 mL.

Ultrassonografia à Beira do Leito (e-FAST): O Extended Focused Assessment with Sonography for Trauma é uma ferramenta rápida, não invasiva e de alta acurácia para detectar líquido livre na cavidade pleural. A presença de uma grande quantidade de líquido anecoico (preto) no espaço pleural em um paciente traumatizado e instável é altamente sugestiva de hemotórax e pode guiar a toracostomia com dreno.

Drenagem Torácica (Toracostomia com Dreno): Este procedimento é, ao mesmo tempo, diagnóstico e terapêutico. A inserção de um dreno torácico de grosso calibre (36 a 40 French) no 4º ou 5º espaço intercostal, na linha axilar anterior ou média, confirma o diagnóstico ao evacuar um grande volume de sangue. A quantificação do débito inicial e horário é crucial para a conduta subsequente.

Conceito-Chave Validado pelo Exame: O diagnóstico é caracterizado por choque combinado com ausência de murmúrio vesicular e macicez à percussão em um lado do tórax.

3.5. Tratamento e Manejo

O manejo do hemotórax maciço é uma corrida contra o tempo e baseia-se em dois pilares simultâneos: a restauração do volume intravascular e a descompressão da cavidade pleural com controle do sangramento.

1. Reanimação Volêmica e Controle da Hemorragia (Abordagem "C" do ATLS):

  • Acesso Venoso: Obtenha dois acessos venosos periféricos de grosso calibre (ex: 14G ou 16G).

  • Protocolo de Transfusão Maciça (PTM): A reanimação inicial com cristaloides deve ser mínima (1L) e servir como ponte para a transfusão de hemoderivados. O PTM deve ser ativado imediatamente. A estratégia moderna preconiza a transfusão balanceada com concentrado de hemácias, plasma fresco congelado e plaquetas na proporção de 1:1:1 para tratar e prevenir a coagulopatia associada ao trauma e choque.

  • Hipotensão Permissiva: Em traumas penetrantes sem lesão cerebral, o alvo pressórico é uma PAS entre 80-90 mmHg até que o sangramento seja controlado cirurgicamente, para evitar o desalojamento de coágulos e a diluição dos fatores de coagulação.

2. Drenagem da Cavidade Pleural (Abordagem "B" do ATLS):

  • Toracostomia com Dreno: A inserção de um dreno torácico de grosso calibre (36-40 Fr) é mandatória e imediata. O dreno alivia a compressão pulmonar, melhora a ventilação e a hemodinâmica, e permite quantificar o volume de sangue perdido, sendo o principal critério para indicar a cirurgia.

3. Indicação de Toracotomia de Emergência:

A toracotomia é o tratamento definitivo para controlar a fonte do sangramento. As indicações absolutas são:

  • Débito imediato de > 1.500 mL de sangue após a inserção do dreno.

  • Sangramento contínuo de > 200 mL/hora por 2 a 4 horas consecutivas.

  • Necessidade contínua de transfusão de sangue para manter a estabilidade hemodinâmica.

  • Instabilidade hemodinâmica persistente apesar da reanimação volêmica adequada.

Pérola Clínica: Em centros de trauma equipados, o sangue drenado pode ser coletado em um sistema estéril para autotransfusão, uma medida valiosa para repor o volume sanguíneo do próprio paciente, especialmente em casos de tipos sanguíneos raros ou escassez de hemoderivados.

3.6. Complicações e Prognóstico

O prognóstico do hemotórax maciço é reservado e diretamente dependente da gravidade da lesão vascular subjacente, da rapidez do diagnóstico e do tratamento, e da presença de lesões associadas. A mortalidade permanece elevada devido à severidade do choque hemorrágico.

As principais complicações incluem:

  • Hemotórax Retido ou Coagulado: A drenagem incompleta do sangue pode levar à formação de um coágulo organizado no espaço pleural. Isso impede a reexpansão pulmonar completa e serve como um meio de cultura ideal para bactérias.

  • Empiema: É a infecção do hemotórax retido, uma complicação grave que requer antibioticoterapia prolongada e, frequentemente, intervenção cirúrgica (drenagem, toracoscopia ou decorticação) para remover o material purulento.

  • Fibrotórax (Encarceramento Pulmonar): Com o tempo, o hemotórax retido pode evoluir para a formação de uma "casca" fibrótica sobre a pleura visceral, que aprisiona o pulmão e restringe sua capacidade de expansão. Esta condição, conhecida como encarceramento pulmonar, causa dispneia crônica e requer um procedimento cirúrgico complexo chamado decorticação para liberar o pulmão.

3.7. Populações Especiais

O manejo do hemotórax maciço pode ser particularmente desafiador em certas populações, exigindo considerações adicionais.

Idosos: Pacientes idosos possuem uma reserva fisiológica diminuída para tolerar o choque hemorrágico. Comorbidades preexistentes, como doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca ou doença renal crônica, complicam a reanimação volêmica e aumentam o risco de descompensação. Além disso, a fragilidade da parede torácica os torna mais suscetíveis a lesões graves, mesmo em traumas de menor energia.

Pacientes em Uso de Anticoagulantes ou Antiagregantes Plaquetários: Esta população está sob risco extremamente elevado de sangramento exsanguinante. O manejo deve incluir a reversão imediata da anticoagulação, em paralelo às medidas de reanimação padrão. A estratégia de reversão depende do agente utilizado e pode incluir:

  • Varfarina: Vitamina K e Complexo Protrombínico (se disponível) ou Plasma Fresco Congelado.

  • Novos Anticoagulantes Orais (DOACs): Agentes de reversão específicos (ex: idarucizumabe para dabigatrana; andexanet alfa para inibidores do fator Xa) ou Complexo Protrombínico.

  • Antiagregantes (AAS, Clopidogrel): Transfusão de plaquetas.

A consulta com um hematologista ou especialista em medicina transfusional é crucial nestes casos.

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