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Toxidrome por Simpaticomiméticos

Introduction & Epidemiology

Uma toxíndrome (ou síndrome tóxica) é definida como um conjunto de sinais e sintomas associados a uma classe específica de substâncias tóxicas, permitindo ao médico um rápido reconhecimento e início do tratamento, mesmo antes da confirmação laboratorial do agente causal. A toxíndrome simpatomimética resulta da estimulação excessiva do sistema nervoso simpático, mimetizando uma resposta de "luta ou fuga" exacerbada e perigosa.

Os agentes causais são variados e incluem tanto drogas ilícitas quanto medicamentos de venda livre, representando um desafio diagnóstico comum nos serviços de emergência.

  • Drogas Ilícitas: São a causa mais comum em adultos jovens.
    • Cocaína: Um potente inibidor da recaptação de norepinefrina, dopamina e serotonina.
    • Anfetaminas e Derivados: Incluem a metanfetamina e o MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina, ou "ecstasy"). Atuam principalmente promovendo a liberação e bloqueando a recaptação de catecolaminas.
  • Medicamentos de Prescrição e Venda Livre (Over-the-Counter - OTC):
    • Descongestionantes Nasais e Sistêmicos: Agentes como pseudoefedrina, fenilefrina e oximetazolina são agonistas adrenérgicos. Em doses terapêuticas, causam vasoconstrição local, mas em superdosagem, especialmente em crianças, podem causar toxicidade sistêmica grave.
    • Estimulantes para TDAH: Metilfenidato e anfetaminas (em formulações farmacêuticas) podem levar a uma toxíndrome em casos de superdosagem intencional ou acidental.
    • Cafeína: Em doses maciças, geralmente por meio de suplementos ou "energéticos", pode precipitar uma toxíndrome simpatomimética.

A epidemiologia varia conforme a população. Em adultos, a exposição está frequentemente ligada ao uso recreativo de drogas. Em crianças, a causa mais comum é a ingestão acidental ou a administração iatrogênica de doses excessivas de medicamentos de venda livre, como gotas de descongestionantes nasais.

Pathophysiology

A base fisiopatológica da toxíndrome simpatomimética é a hiperestimulação dos receptores adrenérgicos (alfa e beta) em todo o corpo. Esse estado é alcançado por um aumento maciço na concentração de catecolaminas (norepinefrina, epinefrina, dopamina) na fenda sináptica. Os agentes simpatomiméticos atingem esse resultado por meio de diferentes mecanismos:

  1. Bloqueio da Recaptura: A cocaína é o protótipo desta classe. Ela bloqueia os transportadores de recaptação de norepinefrina (NET), dopamina (DAT) e serotonina (SERT), fazendo com que esses neurotransmissores permaneçam na fenda sináptica por mais tempo, prolongando e intensificando sua ação sobre os receptores pós-sinápticos.
  2. Promoção da Liberação: As anfetaminas e seus análogos entram no neurônio pré-sináptico e induzem a liberação maciça de catecolaminas das vesículas de armazenamento para a fenda sináptica, além de também inibirem sua recaptação.
  3. Agonismo Direto: Agentes como a fenilefrina (agonista alfa-1 puro) e a oximetazolina atuam diretamente nos receptores adrenérgicos pós-sinápticos, mimetizando a ação das catecolaminas endógenas.

A estimulação excessiva desses receptores leva a uma constelação de efeitos sistêmicos:

  • Estimulação Alfa-1: Causa vasoconstrição periférica (levando à hipertensão e palidez), midríase (dilatação da pupila) e piloereção.
  • Estimulação Beta-1: Aumenta a frequência cardíaca (taquicardia), a contratilidade miocárdica e a velocidade de condução atrioventricular, podendo gerar arritmias.
  • Estimulação Beta-2: Causa broncodilatação e vasodilatação em músculos esqueléticos.
  • Estimulação do Sistema Nervoso Central (SNC): O aumento de dopamina e norepinefrina no cérebro é responsável pela agitação psicomotora, euforia, paranoia, psicose e pela redução do limiar convulsivo. A hipertermia é multifatorial, resultante do aumento da atividade muscular (agitação, tremores, convulsões), vasoconstrição periférica (que dificulta a dissipação de calor) e um efeito direto no hipotálamo.

Clinical Presentation & Physical Examination

O diagnóstico da toxíndrome simpatomimética é eminentemente clínico. A apresentação é de um paciente em estado de hiperestimulação adrenérgica generalizada. Os achados clássicos no exame físico são:

  • Sistema Nervoso Central: Agitação psicomotora, ansiedade, paranoia, delírios, alucinações (especialmente táteis, como a "formicação cocaínica" ou "cocaine bugs"), tremores, hiperreflexia e, em casos graves, convulsões e status epilepticus.
  • Cardiovascular: Taquicardia (geralmente sinusal, mas pode evoluir para taquiarritmias), hipertensão arterial (pode ser grave, levando a emergências hipertensivas), e dor torácica (devido a vasoespasmo coronariano e aumento da demanda de oxigênio).
  • Achados Gerais:
    • Midríase: Pupilas dilatadas e geralmente reativas à luz.
    • Diaforese: Sudorese profusa é um sinal cardinal e um diferenciador chave. A pele do paciente está tipicamente úmida.
    • Hipertermia: A elevação da temperatura corporal é comum e um preditor de gravidade. Temperaturas acima de 40°C são uma emergência médica.
    • Gastrointestinal: Sons intestinais podem estar normais ou hiperativos.

Armadilhas do ENARE: Diferenciação da Toxíndrome Anticolinérgica

A principal armadilha diagnóstica é a confusão com a toxíndrome anticolinérgica, pois ambas cursam com agitação, midríase, taquicardia e hipertermia. O diferencial crucial está na pele e nas mucosas. A memorização do mnemônico para a síndrome anticolinérgica é fundamental: "Louco como uma lebre (delirium), cego como um morcego (midríase), vermelho como um pimentão (pele ruborizada), quente como o inferno (hipertermia), seco como um osso (pele e mucosas secas)". O paciente simpatomimético, em contraste, está profusamente sudorético (molhado).

Sinal/Sintoma Simpatomimética Anticolinérgica
Estado Mental Agitação, paranoia, psicose Delirium, confusão, alucinações
Pupilas Midríase Midríase
Frequência Cardíaca Taquicardia Taquicardia
Temperatura Hipertermia Hipertermia
Pele Diaforética (Úmida) Anidrótica (Seca)
Ruídos Intestinais Normais ou aumentados Diminuídos ou ausentes
Bexiga Normal Retenção urinária

Conceito-Chave Validado pelo Exame (ENARE 2022 - Q45)

Uma questão clássica do ENARE apresentou o caso de uma criança que desenvolveu midríase, taquicardia, sudorese e hipertensão após o uso de gotas nasais. O raciocínio clínico exigido era a identificação da toxíndrome simpatomimética e a associação com o agente causal mais provável: um descongestionante nasal contendo um agonista alfa-adrenérgico (como oximetazolina ou nafazolina). Este cenário sublinha a importância de reconhecer a toxicidade sistêmica de medicamentos tópicos, especialmente na população pediátrica.

Diagnostic Workup

A abordagem diagnóstica é focada na estabilização do paciente e na avaliação de complicações potencialmente fatais. A história clínica (quando possível) e o exame físico são soberanos.

  1. Monitorização e Avaliação Inicial: Monitorização cardíaca contínua, oximetria de pulso, pressão arterial seriada e temperatura central. Um teste de glicemia capilar deve ser feito para descartar hipoglicemia como causa de alteração do estado mental.
  2. Eletrocardiograma (ECG): Essencial para todos os pacientes. Procura-se por:
    • Taquicardia sinusal (achado mais comum).
    • Taquiarritmias supraventriculares ou ventriculares.
    • Sinais de isquemia miocárdica (infradesnivelamento ou supradesnivelamento do segmento ST).
    • Alargamento do intervalo QRS e QT, especialmente na intoxicação por cocaína, que possui efeito bloqueador de canais de sódio.
  3. Exames Laboratoriais:
    • Creatina Quinase (CK): Fundamental para rastrear rabdomiólise, uma complicação comum da agitação, hipertermia e convulsões. Níveis muito elevados indicam risco de lesão renal aguda.
    • Função Renal e Eletrólitos: Ureia, creatinina e eletrólitos para avaliar lesão renal aguda e distúrbios hidroeletrolíticos.
    • Enzimas Hepáticas (TGO/TGP): Podem estar elevadas devido à hipertermia ou toxicidade direta.
    • Coagulograma: Para investigar coagulação intravascular disseminada (CIVD) em pacientes com hipertermia grave.
    • Triagem Toxicológica na Urina (Urine Drug Screen): Pode ajudar a confirmar o agente, mas seus resultados não devem atrasar o tratamento. É importante conhecer suas limitações (ex: não quantitativo, janela de detecção variável, falsos-positivos/negativos).
  4. Exames de Imagem: Indicados para investigar complicações específicas.
    • Tomografia Computadorizada de Crânio: Indicada em pacientes com déficits neurológicos focais, estado mental persistentemente alterado ou após uma convulsão, para descartar acidente vascular cerebral (isquêmico ou hemorrágico).
    • Radiografia de Tórax: Útil em pacientes com dor torácica ou dispneia para avaliar edema pulmonar, pneumonia aspirativa ou alargamento do mediastino (sugestivo de dissecção de aorta).

Treatment & Management

O tratamento é primariamente de suporte, visando controlar a hiperestimulação adrenérgica e prevenir/tratar as complicações. Não existem antídotos específicos para a maioria dos simpatomiméticos.

1. Medidas Iniciais (ABCDE)

Garantir a via aérea, ventilação e circulação. Administrar oxigênio suplementar. Obter acesso intravenoso calibroso.

2. Sedação Agressiva com Benzodiazepínicos

Esta é a pedra angular do tratamento. Os benzodiazepínicos (ex: Diazepam, Lorazepam) são agonistas do receptor GABA-A, o principal neurotransmissor inibitório do SNC. Eles antagonizam funcionalmente a hiperexcitabilidade causada pelas catecolaminas.

  • Indicações: Agitação, ansiedade, taquicardia, hipertensão e convulsões.
  • Drogas e Doses:
    • Diazepam: 5-10 mg IV, a cada 5-10 minutos, até o paciente estar calmo, mas desperto.
    • Lorazepam: 2-4 mg IV, a cada 10-15 minutos, até o controle dos sintomas.
  • Objetivo: Titular a dose para atingir a sedação, controlando a agitação e, consequentemente, a frequência cardíaca e a pressão arterial. Doses muito altas podem ser necessárias.

Raciocínio Clínico

Por que os benzodiazepínicos são tão cruciais? Porque eles tratam múltiplas manifestações da toxíndrome simultaneamente. Ao sedar o paciente, eles diminuem a agitação (reduzindo a produção de calor e o risco de rabdomiólise), diminuem o tônus simpático central (ajudando a controlar a taquicardia e a hipertensão) e são o tratamento de primeira linha para as convulsões. Eles são a terapia mais importante e eficaz.

3. Controle da Hipertermia

A hipertermia é uma emergência médica. O tratamento deve ser imediato e agressivo.

  • Métodos: Resfriamento evaporativo externo é o método de escolha. Despir o paciente e borrifar sua pele com água morna enquanto um ventilador é direcionado para ele. Bolsas de gelo podem ser aplicadas nas axilas, virilhas e pescoço.
  • Ineficácia dos Antipiréticos: Medicamentos como paracetamol e dipirona são ineficazes, pois a febre é causada pelo aumento da produção de calor, e não por uma alteração no ponto de ajuste hipotalâmico.

4. Manejo da Hipertensão e Dor Torácica

A maioria dos casos de hipertensão e taquicardia responde à sedação com benzodiazepínicos. Se a hipertensão persistir e for grave (ex: associada a lesão de órgão-alvo), vasodilatadores podem ser usados.

  • Vasodilatadores: Nitroglicerina ou nitroprussiato de sódio são opções para emergências hipertensivas.
  • Dor Torácica: Deve ser tratada como uma síndrome coronariana aguda. Além de oxigênio e aspirina, benzodiazepínicos (para reduzir a demanda miocárdica) e nitroglicerina (para aliviar o vasoespasmo) são fundamentais.

Armadilhas do ENARE: O Perigo dos Betabloqueadores

É absolutamente contraindicado o uso de betabloqueadores puros (ex: propranolol, metoprolol) no manejo da taquicardia e hipertensão induzidas por simpatomiméticos, especialmente a cocaína. O bloqueio dos receptores beta-2 (que promovem vasodilatação) deixa a estimulação dos receptores alfa-1 sem oposição ("estimulação alfa sem oposição"), resultando em vasoconstrição periférica e coronariana paradoxal, piora drástica da hipertensão e aumento do risco de infarto. Se um betabloqueador for considerado essencial, um agente com bloqueio alfa e beta misto, como o labetalol, é uma escolha mais segura, mas ainda assim deve ser usado com extrema cautela e apenas após a sedação adequada com benzodiazepínicos.

Complications & Prognosis

As complicações são a principal causa de morbimortalidade e resultam diretamente da hiperestimulação adrenérgica e da hipertermia.

  • Cardiovasculares: Infarto agudo do miocárdio, dissecção de aorta, arritmias ventriculares, cardiomiopatia de estresse (Takotsubo).
  • Neurológicas: Convulsões, status epilepticus, acidente vascular cerebral (isquêmico ou hemorrágico), edema cerebral.
  • Renais: Rabdomiólise com lesão renal aguda por mioglobinúria.
  • Metabólicas: Hipertermia maligna, acidose lática grave.
  • Hematológicas: Coagulação intravascular disseminada (CIVD), frequentemente desencadeada por hipertermia grave.

O prognóstico depende da gravidade da exposição, da presença de complicações e da rapidez e adequação do tratamento de suporte. Pacientes com hipertermia grave, convulsões prolongadas ou complicações cardiovasculares têm um prognóstico reservado.

Special Populations

Crianças

As crianças são uma população de risco particular para a intoxicação por simpatomiméticos de venda livre, especialmente os descongestionantes tópicos (gotas nasais e colírios).

  • Vulnerabilidade: A toxicidade é exacerbada em crianças devido à sua maior razão entre superfície corporal e massa, o que leva a uma absorção sistêmica proporcionalmente maior de medicamentos tópicos. Além disso, seu metabolismo hepático ainda é imaturo.
  • Agentes Comuns: Derivados da imidazolina, como oximetazolina e nafazolina, são particularmente perigosos.
  • Apresentação Clínica Bipásica: Embora possam apresentar uma fase inicial de agitação e hipertensão, as imidazolinas podem causar um efeito paradoxal de depressão do SNC e bradicardia após a estimulação inicial. Isso ocorre porque esses agentes também estimulam receptores alfa-2 centrais, que têm um efeito inibitório sobre o sistema simpático.
  • Prevenção: A educação dos pais sobre os perigos de medicamentos de venda livre, a importância de seguir estritamente as doses pediátricas e manter todos os medicamentos fora do alcance das crianças é a medida preventiva mais importante.
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