Patologia da Tireoide
As doenças da tireoide representam um dos grupos de patologias endócrinas mais prevalentes na prática clínica e são um tema recorrente nas provas de residência, incluindo o ENARE. A compreensão de sua fisiologia, apresentação clínica e manejo é fundamental. Este capítulo abordará de forma sistemática as desordens funcionais, inflamatórias e estruturais da glândula tireoide.
Introdução e Epidemiologia
Visão Geral da Função da Glândula Tireoide
A tireoide é uma glândula endócrina localizada na região anterior do pescoço, responsável pela produção, armazenamento e liberação dos hormônios tireoidianos: tri-iodotironina (T3) e tiroxina (T4). Sua função é regulada pelo eixo hipotálamo-hipófise-tireoide:
- O hipotálamo secreta o hormônio liberador de tireotrofina (TRH).
- O TRH estimula a adeno-hipófise a secretar o hormônio tireoestimulante (TSH).
- O TSH estimula a tireoide a produzir e liberar T4 e T3.
- T4 e T3 exercem feedback negativo no hipotálamo e na hipófise, inibindo a secreção de TRH e TSH, respectivamente.
O T4 é o principal hormônio secretado pela glândula, mas o T3 é a forma biologicamente mais ativa, sendo a maior parte convertida a partir do T4 nos tecidos periféricos pela ação das enzimas deiodinases. Os hormônios tireoidianos são essenciais para a regulação do metabolismo basal, desenvolvimento do sistema nervoso central, crescimento e função de múltiplos sistemas orgânicos.
Classificação das Doenças da Tireoide
As patologias tireoidianas podem ser classificadas em três grandes categorias:
- Distúrbios Funcionais: Relacionados à produção hormonal.
- Hipotireoidismo: Produção deficiente de hormônios tireoidianos.
- Hipertireoidismo (ou Tireotoxicose): Produção excessiva de hormônios tireoidianos.
- Distúrbios Inflamatórios (Tireoidites): Processos inflamatórios que afetam a glândula.
- Tireoidite de Hashimoto: Causa autoimune mais comum de hipotireoidismo.
- Doença de Graves: Causa autoimune mais comum de hipertireoidismo.
- Tireoidite Subaguda (de De Quervain): Inflamação dolorosa, geralmente pós-viral.
- Tireoidite Pós-parto e Silenciosa: Formas autoimunes e transitórias.
- Distúrbios Estruturais: Alterações na anatomia da glândula.
- Bócio: Aumento difuso ou nodular do volume da tireoide.
- Nódulos Tireoidianos: Lesões focais dentro da glândula, que podem ser benignas ou malignas.
- Câncer de Tireoide: Neoplasia maligna primária da tireoide (papilífero, folicular, medular, anaplásico).
Prevalência de Condições Comuns
- Nódulos Tireoidianos: Extremamente comuns, com prevalência que aumenta com a idade. São palpáveis em 5% das mulheres e 1% dos homens, mas podem ser detectados por ultrassonografia em até 68% da população adulta. A grande maioria (>90%) é benigna.
- Tireoidite de Hashimoto: É a principal causa de hipotireoidismo em áreas com suficiência de iodo, como o Brasil. Afeta predominantemente mulheres (proporção de 10:1 em relação a homens), com pico de incidência entre 30 e 50 anos.
- Doença de Graves: É a causa mais comum de hipertireoidismo endógeno, respondendo por 60-80% dos casos. Também é muito mais comum em mulheres, com pico de incidência entre 20 e 50 anos.
- Tireoidite de De Quervain: É uma condição menos comum, responsável por cerca de 5% dos casos de tireoidite. É tipicamente autolimitada e frequentemente precedida por uma infecção do trato respiratório superior.
Conceito-Chave Validado pelo Exame (ENARE 2020)
A tireoidite de De Quervain, também conhecida como tireoidite subaguda granulomatosa ou tireoidite de células gigantes, é uma condição inflamatória da tireoide. Sua principal característica clínica é a dor cervical anterior, que pode irradiar para a mandíbula ou ouvidos, associada a um bócio doloroso à palpação. Frequentemente, há um pródromo de infecção viral (ex: infecção de vias aéreas superiores). A condição é classicamente trifásica: uma fase inicial de tireotoxicose (devido à liberação de hormônios pré-formados pela destruição folicular), seguida por uma fase de hipotireoidismo transitório e, finalmente, o retorno à função normal (eutireoidismo). O tratamento é sintomático com anti-inflamatórios.
Fisiopatologia
Mecanismos Autoimunes
- Tireoidite de Hashimoto: A fisiopatologia envolve uma resposta imune celular e humoral contra antígenos tireoidianos. Linfócitos T citotóxicos infiltram a glândula, levando à destruição progressiva dos tireócitos (células foliculares). A produção de autoanticorpos é uma marca registrada:
- Anticorpo anti-peroxidase tireoidiana (Anti-TPO): Dirigido contra a enzima chave na organificação do iodo e síntese hormonal. É o marcador mais sensível, presente em >90% dos pacientes.
- Anticorpo anti-tireoglobulina (Anti-Tg): Dirigido contra a proteína precursora dos hormônios tireoidianos. Presente em cerca de 80% dos casos.
- Doença de Graves: É causada pela produção de autoanticorpos contra o receptor de TSH (TRAb). Diferentemente de Hashimoto, esses anticorpos são estimuladores. Ao se ligarem ao receptor de TSH, eles mimetizam a ação do TSH, causando estimulação contínua e autônoma da glândula. Isso resulta em hiperplasia glandular (bócio difuso) e produção excessiva de T3 e T4, levando ao hipertireoidismo. As manifestações extratireoidianas (oftalmopatia e dermopatia) são causadas por uma reação autoimune cruzada contra antígenos presentes na órbita e na pele.
Fisiopatologia da Tireoidite de De Quervain
Acredita-se que a tireoidite subaguda seja desencadeada por uma infecção viral. O dano viral direto ou uma resposta imune cruzada leva a uma inflamação granulomatosa extensa da glândula. A destruição dos folículos tireoidianos resulta na liberação descontrolada de T3 e T4 pré-formados na circulação, causando a fase inicial de tireotoxicose. Como não há produção de novo, a captação de iodo radioativo é suprimida (quase nula). Após o esgotamento dos estoques hormonais, o paciente entra em uma fase de hipotireoidismo até que os folículos se regenerem e a função normal seja restaurada.
Mecanismos de Complicações Pós-Cirúrgicas
A tireoidectomia, embora segura, carrega riscos inerentes devido à anatomia da região cervical.
- Hipocalcemia (Hipoparatireoidismo): As quatro glândulas paratireoides, responsáveis pela secreção do paratormônio (PTH) e regulação do cálcio, estão localizadas na face posterior da tireoide. Elas podem ser inadvertidamente removidas, traumatizadas ou, mais comumente, desvascularizadas durante a ligadura dos vasos tireoidianos, especialmente a artéria tireoidiana inferior, que supre as paratireoides inferiores. A isquemia ou remoção das paratireoides leva à queda do PTH, resultando em hipocalcemia.
- Lesão do Nervo Laríngeo Recorrente (NLR): Este nervo, ramo do nervo vago, inerva a maioria dos músculos intrínsecos da laringe, responsáveis pela abdução e adução das cordas vocais. O NLR ascende no sulco traqueoesofágico e tem uma relação íntima com a artéria tireoidiana inferior e o ligamento de Berry, na face posterior da tireoide. Sua lesão (por tração, secção ou isquemia) pode causar paralisia da corda vocal.
Raciocínio Clínico
Por que a hipocalcemia é a complicação mais comum da tireoidectomia total? A vascularização das paratireoides é terminal e delicada. Mesmo com a preservação anatômica das glândulas, a manipulação cirúrgica e a ligadura dos vasos tireoidianos podem comprometer seu suprimento sanguíneo, levando a um hipoparatireoidismo transitório (dias a semanas) ou, mais raramente, permanente. Por isso, a monitorização dos níveis de cálcio e PTH no pós-operatório é rotina.
Apresentação Clínica e Exame Físico
Sinais e Sintomas de Tireotoxicose e Hipotireoidismo
Os hormônios tireoidianos afetam praticamente todos os sistemas do corpo, resultando em manifestações clínicas pleomórficas.
| Sistema | Tireotoxicose (Hipertireoidismo) | Hipotireoidismo |
|---|---|---|
| Geral/Metabólico | Perda de peso (com apetite aumentado), intolerância ao calor, sudorese excessiva, fadiga. | Ganho de peso, intolerância ao frio, fadiga, letargia, hiporreflexia (fase de relaxamento lenta). |
| Cardiovascular | Taquicardia sinusal, palpitações, fibrilação atrial, hipertensão sistólica, aumento da pressão de pulso. | Bradicardia sinusal, derrame pericárdico, hipertensão diastólica, cardiomiopatia. |
| Neuromuscular | Tremor fino de extremidades, hiperreflexia, fraqueza muscular proximal, ansiedade, insônia. | Mialgia, cãibras, síndrome do túnel do carpo, depressão, sonolência, lentificação psicomotora. |
| Gastrointestinal | Hiperdefecação (aumento da frequência, sem diarreia). | Constipação intestinal, íleo adinâmico (no mixedema). |
| Pele e Anexos | Pele quente e úmida, cabelos finos e quebradiços, onicólise (unhas de Plummer). | Pele seca, fria e pálida, cabelos grossos e quebradiços, perda da cauda da sobrancelha (sinal de Madarose), mixedema (edema sem cacifo). |
| Reprodutivo | Oligomenorreia, amenorreia, infertilidade. | Menorragia, irregularidade menstrual, infertilidade. |
Achados Específicos
- Tireoidite Subaguda (de De Quervain): O achado cardinal é uma glândula tireoide extremamente dolorosa e sensível à palpação. A dor pode ser unilateral ou bilateral e frequentemente irradia para a mandíbula, ouvidos ou tórax. O paciente pode apresentar febre baixa e mal-estar.
- Doença de Graves: Além dos sintomas de tireotoxicose, pode apresentar achados patognomônicos:
- Oftalmopatia de Graves (Exoftalmia): Proptose (protrusão do globo ocular), retração palpebral, edema periorbital e diplopia. É causada pela inflamação e acúmulo de glicosaminoglicanos nos músculos extraoculares e tecido adiposo retro-orbitário.
- Dermopatia de Graves (Mixedema Pré-tibial): Lesões cutâneas infiltrativas, espessadas, com aspecto de "casca de laranja", localizadas tipicamente na região pré-tibial. É um achado raro, mas específico.
- Bócio Difuso e Simétrico: A glândula está uniformemente aumentada, de consistência elástica e, por vezes, com um frêmito ou sopro audível devido à hipervascularização.
Exame Físico da Tireoide e Cadeias Cervicais
O exame deve ser realizado com o paciente sentado, com o pescoço em leve extensão.
- Inspeção: Observar a região cervical anterior em busca de assimetrias, massas visíveis ou cicatrizes cirúrgicas. Pedir ao paciente para deglutir, o que causa a elevação da tireoide e pode evidenciar nódulos.
- Palpação (Abordagem Posterior): O examinador se posiciona atrás do paciente, usando as polpas dos dedos para palpar a glândula.
- Localizar a cartilagem cricoide; o istmo da tireoide fica logo abaixo.
- Palpar cada lobo separadamente, deslocando a traqueia para o lado oposto para melhor expor o lobo a ser examinado.
- Avaliar tamanho (normal ou aumentado - bócio), consistência (elástica, firme, endurecida), superfície (lisa ou irregular/nodular) e sensibilidade (dolorosa ou não).
- Verificar a mobilidade da glândula e a presença de nódulos, descrevendo sua localização, tamanho, consistência e mobilidade.
- Palpação dos Linfonodos Cervicais: Palpar sistematicamente as cadeias linfonodais (submentoniana, submandibular, jugular anterior e posterior, supraclavicular) em busca de linfonodomegalia, que pode sugerir malignidade ou processo inflamatório.
- Ausculta: Em pacientes com suspeita de Doença de Graves, auscultar os lobos tireoidianos com a campânula do estetoscópio em busca de um sopro, indicativo de fluxo sanguíneo turbulento aumentado.
Avaliação Diagnóstica
Avaliação Laboratorial
A abordagem laboratorial é escalonada e guiada pela suspeita clínica.
- TSH (Hormônio Tireoestimulante): É o melhor teste de triagem inicial para disfunção tireoidiana. Devido à relação de feedback negativo, pequenas alterações nos níveis de T4 livre causam grandes alterações inversas no TSH.
- TSH elevado: Sugere hipotireoidismo primário (falha da glândula).
- TSH suprimido (baixo): Sugere hipertireoidismo primário (produção autônoma da glândula).
- TSH normal: Geralmente exclui disfunção tireoidiana primária.
- T4 Livre (T4L): Mede a fração não ligada a proteínas e biologicamente ativa da tiroxina. É solicitado para confirmar e quantificar a gravidade da disfunção quando o TSH está alterado.
- TSH alto + T4L baixo = Hipotireoidismo primário manifesto.
- TSH alto + T4L normal = Hipotireoidismo subclínico.
- TSH baixo + T4L alto = Hipertireoidismo primário manifesto.
- TSH baixo + T4L normal = Hipertireoidismo subclínico.
- T3 Total ou Livre: Solicitado em casos de TSH suprimido com T4L normal, para diagnosticar a "Tireotoxicose por T3", uma condição onde há produção preferencial de T3 (comum na Doença de Graves inicial ou bócio multinodular tóxico).
- Anticorpos Tireoidianos:
- Anti-TPO: Principal marcador da Tireoidite de Hashimoto.
- TRAb (Anticorpo anti-receptor de TSH): Confirma o diagnóstico de Doença de Graves.
Armadilhas do ENARE
Uma questão pode apresentar um paciente com sintomas de tireotoxicose, TSH suprimido e T4L normal. A conduta correta não é descartar hipertireoidismo, mas sim solicitar a dosagem de T3 para investigar uma possível tireotoxicose por T3. Outra armadilha é a interpretação de exames em doenças não tireoidianas (Síndrome do Eutireoideo Doente), onde o TSH pode estar baixo ou normal e o T3 baixo, mimetizando disfunção, mas o tratamento é o da doença de base, não a reposição hormonal.
Exames de Imagem
- Ultrassonografia (USG) da Tireoide: É o principal método para avaliação estrutural da glândula. Suas indicações incluem a avaliação de nódulos palpáveis, bócio, e guia para punção aspirativa por agulha fina (PAAF). A USG avalia características dos nódulos que sugerem malignidade (classificação TI-RADS):
- Hipoecogenicidade acentuada
- Microcalcificações
- Margens irregulares ou espiculadas
- Formato "mais alto do que largo" (taller-than-wide)
- Extensão extratireoidiana
- Cintilografia com Captação de Iodo Radioativo (RAIU): Avalia a função da glândula. É fundamental para diferenciar as causas de hipertireoidismo.
- Hipercaptação Difusa: Padrão clássico da Doença de Graves (a glândula inteira está ávida por iodo).
- Hipercaptação Focal/Multifocal: Sugere bócio multinodular tóxico ou adenoma tóxico (nódulos "quentes" autônomos).
- Hipocaptação (Captação Baixa ou Ausente): Característico das tireoidites (de De Quervain, silenciosa, pós-parto), onde a inflamação impede a captação de iodo, apesar da tireotoxicose por destruição glandular. Também ocorre em tireotoxicose factícia (uso exógeno de hormônio).
Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF)
A PAAF é o padrão-ouro para avaliar nódulos tireoidianos suspeitos (geralmente >1 cm com características suspeitas na USG). O material coletado é analisado citologicamente e classificado segundo o Sistema Bethesda.
| Categoria Bethesda | Diagnóstico | Risco de Malignidade | Conduta Típica |
|---|---|---|---|
| I | Amostra não diagnóstica/insatisfatória | 5-10% | Repetir PAAF com guia de USG. |
| II | Benigno | 0-3% | Acompanhamento clínico/ultrassonográfico. |
| III | Atipia de significado indeterminado (AUS/FLUS) | 10-30% | Repetir PAAF, teste molecular ou cirurgia (lobectomia). |
| IV | Neoplasia folicular ou suspeito para | 25-40% | Cirurgia (lobectomia diagnóstica/terapêutica). |
| V | Suspeito para malignidade | 50-75% | Cirurgia (tireoidectomia total ou lobectomia). |
| VI | Maligno | 97-99% | Cirurgia (tireoidectomia total). |
Tratamento e Manejo
Manejo do Hipotireoidismo
O tratamento do hipotireoidismo manifesto consiste na reposição hormonal com Levotiroxina (L-T4) sintética.
- Dose: A dose de reposição plena em adultos é de aproximadamente 1.6 mcg/kg/dia. Em idosos ou pacientes com doença cardíaca, inicia-se com doses baixas (12.5-25 mcg/dia) e aumenta-se gradualmente ("start low, go slow").
- Administração: Deve ser tomada em jejum, 30-60 minutos antes do café da manhã, para garantir absorção adequada.
- Monitoramento: O alvo terapêutico é a normalização do TSH. A primeira avaliação do TSH deve ser feita após 6-8 semanas do início ou ajuste da dose.
Opções de Tratamento para Hipertireoidismo
Existem três modalidades terapêuticas principais para a Doença de Graves e outras causas de hipertireoidismo:
- Drogas Antitireoidianas (DATs):
- Mecanismo: As tionamidas (Metimazol e Propiltiouracil) inibem a enzima tireoperoxidase (TPO), bloqueando a síntese de novos hormônios tireoidianos. O PTU também inibe a conversão periférica de T4 em T3.
- Drogas:
- Metimazol (MMI): Droga de primeira escolha devido à posologia mais cômoda (dose única diária) e menor risco de hepatotoxicidade grave.
- Propiltiouracil (PTU): Reservado para o primeiro trimestre da gestação (MMI é teratogênico), crise tireotóxica (pelo seu efeito na conversão periférica) e pacientes com reações adversas menores ao MMI.
- Efeitos Adversos: Rash cutâneo, artralgia. O mais temido é a agranulocitose (incidência <0.5%), uma emergência médica. O paciente deve ser orientado a suspender a droga e procurar atendimento médico imediato se apresentar febre ou dor de garganta.
- Terapia com Iodo Radioativo (Radioiodoterapia - RAI):
- Mecanismo: O iodo-131 é administrado por via oral, captado seletivamente pela tireoide e emite radiação beta, que destrói o tecido tireoidiano ao longo de semanas a meses.
- Indicações: Pacientes que não alcançam remissão com DATs, recidiva após tratamento, ou quando a cirurgia é contraindicada.
- Resultado: A maioria dos pacientes desenvolve hipotireoidismo permanente, necessitando de reposição com levotiroxina.
- Contraindicações: Absolutas em gestantes e lactantes. Relativa em pacientes com oftalmopatia de Graves moderada a grave (pode piorar o quadro).
- Cirurgia (Tireoidectomia):
- Indicações: Bócio volumoso com sintomas compressivos, suspeita ou confirmação de malignidade, falha ou contraindicação às outras terapias, desejo da paciente (ex: planejamento de gestação).
- Procedimento: Geralmente tireoidectomia total ou quase total para Doença de Graves.
- Preparo: O paciente deve estar eutireoideo antes da cirurgia (usando DATs) para evitar o risco de crise tireotóxica no perioperatório. Solução de Lugol pode ser usada por 7-10 dias antes da cirurgia para diminuir a vascularização da glândula (efeito de Wolff-Chaikoff).
Manejo da Tireoidite Subaguda
O tratamento é primariamente de suporte, visando o alívio dos sintomas, já que a condição é autolimitada.
- Controle da Dor e Inflamação: Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) em altas doses (ex: Naproxeno 500 mg 2x/dia) são a primeira linha. Em casos refratários ou graves, corticosteroides (ex: Prednisona 40 mg/dia com desmame lento) são altamente eficazes.
- Controle dos Sintomas de Tireotoxicose: Beta-bloqueadores (ex: Propranolol) podem ser usados para controlar sintomas adrenérgicos como palpitações e tremores. As DATs não são indicadas, pois a tireotoxicose é por destruição, não por hiperprodução.
- Fase Hipotireoidea: Se o hipotireoidismo for sintomático, pode-se usar levotiroxina por um curto período (3-6 meses) até a recuperação da função glandular.
Manejo Pós-Tireoidectomia
O cuidado pós-operatório imediato foca na prevenção e detecção precoce de complicações.
- Monitoramento de Hematoma Cervical: Um hematoma em expansão pode comprimir a traqueia e causar asfixia. Sinais de alerta são abaulamento cervical, estridor e desconforto respiratório. É uma emergência cirúrgica que exige abertura imediata da ferida (mesmo à beira do leito) e retorno ao centro cirúrgico.
- Monitoramento e Suplementação de Cálcio: Dosagens seriadas de cálcio sérico e/ou PTH são realizadas. Se houver hipocalcemia sintomática ou laboratorial significativa, inicia-se a suplementação com cálcio oral e vitamina D ativada (Calcitriol). Em casos graves (tetania), administra-se gluconato de cálcio endovenoso.
Complicações e Prognóstico
Complicações da Disfunção Tireoidiana Não Tratada
- Hipertireoidismo: Risco aumentado de fibrilação atrial (e eventos tromboembólicos), insuficiência cardíaca de alto débito, osteoporose (aumento da reabsorção óssea) e crise tireotóxica.
- Hipotireoidismo: Risco aumentado de doença cardiovascular aterosclerótica (devido à dislipidemia e hipertensão), insuficiência cardíaca, derrame pericárdico e coma mixedematoso.
Emergências Tireoidianas
- Crise Tireotóxica (Tempestade Tireoidiana): É uma descompensação aguda e potencialmente fatal do hipertireoidismo, geralmente precipitada por um fator de estresse (infecção, cirurgia, trauma). Caracteriza-se por febre alta, taquicardia desproporcional, disfunção do SNC (agitação, delirium, coma) e disfunção gastrointestinal (vômitos, diarreia, icterícia). O manejo é agressivo e multifacetado:
- Suporte clínico (hidratação, antitérmicos).
- Beta-bloqueador (Propranolol) para controle adrenérgico.
- Tionamidas em altas doses (PTU é preferível pela inibição da conversão periférica).
- Solução de iodo (Lugol ou SSKI) após 1 hora do início da tionamida (para bloquear a liberação hormonal).
- Corticosteroides (Hidrocortisona) para tratar insuficiência adrenal relativa e diminuir a conversão de T4 em T3.
- Coma Mixedematoso: É a manifestação mais grave do hipotireoidismo não tratado, também precipitado por estressores. Caracteriza-se por hipotermia, bradicardia, hipoventilação, hiponatremia e rebaixamento do nível de consciência até o coma. O tratamento envolve suporte intensivo e reposição hormonal endovenosa com levotiroxina.
Complicações da Tireoidectomia
- Hipoparatireoidismo/Hipocalcemia: A complicação mais comum. Pode ser transitória ou permanente. As manifestações clínicas da hipocalcemia incluem parestesias periorais e de extremidades, cãibras musculares e, em casos graves, tetania (espasmos musculares involuntários). Os sinais clássicos de hipocalcemia latente são:
- Sinal de Trousseau: Espasmo carpopedal (mão de parteiro) induzido pela insuflação do manguito de pressão arterial acima da pressão sistólica por 3 minutos.
- Sinal de Chvostek: Contração dos músculos faciais ipsilaterais após a percussão do nervo facial anteriormente ao tragus.
- Lesão do Nervo Laríngeo Recorrente (NLR):
- Unilateral: Causa paralisia da corda vocal ipsilateral, resultando em rouquidão e voz soprosa.
- Bilateral: Rara, mas catastrófica. Causa paralisia de ambas as cordas vocais em posição aduzida, levando à obstrução aguda da via aérea e necessidade de traqueostomia de emergência.
- Lesão do Nervo Laríngeo Superior: Causa dificuldade em atingir tons agudos e fadiga vocal, mais perceptível em profissionais da voz.
- Hematoma Cervical: Conforme discutido, é uma emergência com risco de vida.
Conceito-Chave Validado pelo Exame (ENARE 2023)
Os sinais de Trousseau e Chvostek são manobras semiológicas clássicas para detectar a hiperexcitabilidade neuromuscular causada pela hipocalcemia. A presença desses sinais em um paciente no pós-operatório de tireoidectomia total é altamente sugestiva de hipoparatireoidismo iatrogênico e indica a necessidade de avaliação laboratorial imediata (cálcio sérico) e reposição de cálcio e vitamina D.
Populações Especiais
Doença Tireoidiana na Gestação
- A gestação impõe mudanças fisiológicas na função tireoidiana (aumento da TBG, estimulação do receptor de TSH pelo hCG).
- O hipotireoidismo materno não tratado está associado a desfechos adversos (abortamento, pré-eclâmpsia, baixo desenvolvimento neurocognitivo do feto). A dose de levotiroxina geralmente precisa ser aumentada em 25-30% durante a gestação.
- O hipertireoidismo (geralmente Doença de Graves) também requer manejo cuidadoso. O PTU é a droga de escolha no 1º trimestre, e o Metimazol é preferido no 2º e 3º trimestres. O objetivo é manter o T4L no limite superior da normalidade para a gestação, usando a menor dose possível de DAT.
- Tireoidite Pós-Parto: Disfunção tireoidiana autoimune que ocorre no primeiro ano após o parto, com uma fase de tireotoxicose seguida por hipotireoidismo e, geralmente, recuperação.
Nódulo Tireoidiano Pediátrico
Embora nódulos tireoidianos sejam menos comuns em crianças e adolescentes, o risco de malignidade em um nódulo pediátrico é significativamente maior (cerca de 25%) do que em adultos. Portanto, a abordagem diagnóstica deve ser mais agressiva, com indicação liberal de PAAF para nódulos >1 cm ou com características suspeitas.
Disfunção Tireoidiana no Idoso
- A apresentação clínica pode ser atípica ou oligossintomática.
- O hipertireoidismo apático pode se manifestar com depressão, perda de peso e fraqueza, sem os sinais adrenérgicos clássicos. Fibrilação atrial é uma complicação comum.
- O hipotireoidismo pode ser confundido com o processo normal de envelhecimento.
- O tratamento do hipotireoidismo deve ser iniciado com doses baixas de levotiroxina e titulado lentamente para evitar a exacerbação de doença coronariana subjacente.
