Equipamento de Proteção Individual (EPI)
Introdução e Princípios de Biossegurança
O Equipamento de Proteção Individual (EPI), conforme definido pela Norma Regulamentadora nº 6 (NR-6) do Ministério do Trabalho do Brasil, é todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho. No contexto da saúde, seu propósito fundamental é criar uma barreira física entre o profissional e os agentes infecciosos (bactérias, vírus, fungos, parasitas) ou outros perigos (químicos, físicos), minimizando o risco de contaminação e transmissão de doenças.
É crucial entender que o EPI não é uma medida isolada, mas sim um componente essencial de um programa abrangente de Prevenção e Controle de Infecção (PCI). A base desse programa são as Precauções Padrão (PP), que devem ser aplicadas no cuidado de todos os pacientes, independentemente do seu diagnóstico suspeito ou confirmado. As PP consideram que todo sangue, fluido corporal (exceto suor), pele não íntegra e membranas mucosas são potencialmente infecciosos. Além das PP, existem as Precauções Baseadas na Transmissão, que são medidas adicionais para pacientes com suspeita ou confirmação de patógenos transmitidos por contato, gotículas ou aerossóis.
O princípio central que rege a utilização do EPI é a avaliação de risco da exposição antecipada. A seleção do EPI correto não é uma receita única, mas uma decisão clínica baseada em três fatores principais:
- A natureza da interação com o paciente: O cuidado envolverá apenas toque na pele íntegra (ex: aferir pulso) ou haverá contato com mucosas, sangue ou fluidos corporais (ex: punção venosa, intubação)?
- O modo de transmissão do patógeno: A suspeita é de uma doença transmitida por contato (ex: Staphylococcus aureus resistente à meticilina - MRSA), gotículas (ex: Influenza) ou aerossóis (ex: Tuberculose)?
- A quantidade de exposição esperada: A interação tem baixo risco de gerar respingos ou aerossóis (ex: exame físico de rotina) ou alto risco (ex: aspiração de vias aéreas, broncoscopia, parto)?
Raciocínio Clínico
Considere dois cenários: 1) Aferir a pressão arterial de um paciente hígido em uma consulta de rotina. 2) Realizar uma intubação orotraqueal em um paciente com insuficiência respiratória e suspeita de COVID-19. No cenário 1, a higienização das mãos pode ser suficiente. No cenário 2, a avaliação de risco indica alta probabilidade de exposição a gotículas e aerossóis. Isso exige o uso de EPI completo: luvas, avental impermeável de mangas longas, respirador PFF2/N95 e proteção ocular (óculos e/ou protetor facial).
Tipos de Equipamento de Proteção Individual
Cada componente do EPI tem uma função específica na criação da barreira de proteção. A correta seleção e uso são fundamentais para sua eficácia.
Luvas
- Função: Proteger as mãos do profissional de saúde do contato com sangue, fluidos corporais, secreções, excreções, mucosas, pele não íntegra e artigos ou superfícies contaminadas. Reduzem também o risco de transmissão de microrganismos do profissional para o paciente e vice-versa.
- Tipos:
- Luvas de Procedimento (Não estéreis): Utilizadas na maioria dos cuidados ao paciente onde não se exige técnica asséptica. São de uso único.
- Luvas Cirúrgicas (Estéreis): Utilizadas em procedimentos invasivos que requerem técnica asséptica (cirurgias, inserção de cateter venoso central, etc.).
- Material: Látex, nitrila ou vinil. A escolha pode depender da sensibilidade do profissional (alergia ao látex) e da barreira de proteção necessária.
Aventais / Capotes
- Função: Proteger a pele e a roupa do profissional contra o contato com sangue, fluidos corporais e outros materiais potencialmente infecciosos.
- Tipos:
- Avental de Tecido (Algodão): Oferece proteção mínima contra fluidos. Usado em situações de baixo risco.
- Avental Resistente a Fluidos: Geralmente de material sintético, oferece uma barreira contra respingos e borrifos. É o mais comum para precauções de contato e gotículas.
- Avental Impermeável: Oferece o mais alto nível de proteção, sendo indicado em procedimentos com grande volume de fluidos ou exposição intensa, como cirurgias de grande porte ou atendimento ao politraumatizado.
Máscaras e Respiradores
- Função: Proteger as mucosas do nariz e da boca.
- Máscara Cirúrgica:
- Mecanismo: Funciona como uma barreira física contra grandes gotículas respiratórias (>5 µm) e respingos. Protege o paciente das secreções do profissional e protege o profissional das secreções do paciente.
- Indicação: Precauções para Gotículas (ex: Influenza, meningite meningocócica). Deve ser usada por qualquer profissional que se aproxime a menos de 1-2 metros do paciente.
- Limitação: Não oferece vedação facial e não filtra eficientemente partículas pequenas (aerossóis).
- Respirador PFF2 / N95:
- Mecanismo: É um equipamento de proteção respiratória com capacidade de filtrar pelo menos 95% das partículas de aerossóis (<5 µm). Exige um teste de vedação para garantir que o ar inalado passe através do filtro e não pelas bordas.
- Indicação: Precauções para Aerossóis (ex: Tuberculose, Sarampo, Varicela) e durante procedimentos geradores de aerossóis (PGA) em pacientes com patógenos respiratórios (ex: intubação em paciente com COVID-19).
Proteção Ocular
- Função: Proteger a mucosa ocular (conjuntiva) de respingos de sangue, fluidos corporais, secreções e excreções.
- Tipos:
- Óculos de Proteção: Devem ter proteção lateral para garantir uma barreira eficaz.
- Protetor Facial (Face Shield): Oferece uma cobertura mais ampla para o rosto, protegendo olhos, nariz e boca. Frequentemente utilizado em conjunto com máscara ou respirador para proteção máxima durante procedimentos de alto risco.
Sequência de Paramentação (Donning)
A colocação do EPI deve seguir uma sequência padronizada para garantir que todas as áreas estejam cobertas e que não haja contaminação cruzada durante o processo. A lógica é vestir os itens "do corpo para as mãos", finalizando com as luvas, que devem permanecer o mais limpas possível até o contato com o paciente.
- Higienização das Mãos: O primeiro e mais crucial passo. Use preparação alcoólica ou água e sabão.
- Avental ou Capote: Vista o avental, amarrando-o firmemente nas costas (pescoço e cintura).
- Máscara ou Respirador: Posicione a máscara sobre o nariz e a boca, ajustando o clipe nasal e passando os elásticos pela cabeça ou orelhas. Se for um respirador N95/PFF2, realize o teste de vedação (inspiração e expiração forçadas para verificar vazamentos).
- Óculos de Proteção ou Protetor Facial: Coloque o equipamento de proteção ocular.
- Luvas: Calce as luvas por último. Os punhos das luvas devem cobrir completamente os punhos do avental para criar uma vedação contínua.
Armadilhas do ENARE: Sequência de Paramentação
Conceito-Chave Validado pelo Exame: A sequência correta de paramentação para atendimento de paciente com suspeita de patógeno respiratório (como na pandemia de Covid-19) é um tema recorrente. A ordem correta, que inicia obrigatoriamente com a higienização das mãos, é: 1º Higienização das Mãos, 2º Avental, 3º Máscara, 4º Óculos/Protetor Facial e, por último, 5º Luvas. Questões do ENARE podem inverter essa ordem ou omitir a higienização das mãos como passo inicial. (Citado como ENARE_2022_Q85).
Sequência de Desparamentação (Doffing)
A remoção do EPI é o momento de maior risco de autocontaminação, pois as superfícies externas do equipamento estão contaminadas. O princípio é remover os itens mais contaminados primeiro (luvas e avental), minimizando o contato da pele e roupas limpas com as superfícies contaminadas. A higienização das mãos em etapas intermediárias é fundamental.
Uma sequência segura e comumente recomendada é:
- Remover Luvas e Avental Juntos (Técnica Integrada):
- Com uma mão enluvada, puxe o avental pela frente para longe do corpo, rasgando-o se necessário, e enrole-o de dentro para fora.
- Ao enrolar o avental, use a mão coberta pelo avental para remover a luva da outra mão (técnica sujo-com-sujo).
- Com a mão agora sem luva, deslize o dedo por baixo do punho da luva restante e remova-a, virando-a do avesso. Descarte ambos em lixo apropriado.
- Alternativa: Remover as luvas primeiro (técnica luva-sobre-luva), higienizar as mãos, e então remover o avental tocando apenas na parte interna.
- Higienização das Mãos: Passo crítico após remover luvas e avental.
- Remover Proteção Ocular: Incline a cabeça para frente e remova os óculos ou protetor facial tocando apenas nas hastes ou na tira elástica por trás da cabeça.
- Remover Máscara ou Respirador: Incline a cabeça para frente e remova a máscara tocando apenas nos elásticos ou tiras. Nunca toque na parte frontal da máscara, que é a área mais contaminada.
- Higienização Final das Mãos: Realize a higienização completa das mãos como último passo após remover todo o EPI e sair da área do paciente.
Higienização das Mãos
Considerada a medida isolada mais importante e de menor custo para a prevenção de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS). A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu os "5 Momentos para a Higienização das Mãos" como uma diretriz global:
- Antes de tocar o paciente: Para proteger o paciente contra germes presentes nas mãos do profissional.
- Antes de realizar procedimento limpo/asséptico: Para proteger o paciente contra a introdução de germes em seu corpo.
- Após risco de exposição a fluidos corporais: Para proteger o profissional e o ambiente da contaminação com os germes do paciente.
- Após tocar o paciente: Para proteger o profissional e o ambiente da contaminação com os germes do paciente.
- Após tocar superfícies próximas ao paciente: Para proteger o profissional e o ambiente da contaminação com os germes do paciente.
A escolha entre preparação alcoólica (álcool em gel) e água e sabão depende da situação:
- Preparação Alcoólica: É o método de escolha para a maioria das situações clínicas quando as mãos não estão visivelmente sujas. É mais rápido, mais eficaz contra a maioria dos patógenos e menos irritante para a pele.
- Água e Sabão: É obrigatório quando as mãos estão visivelmente sujas ou contaminadas com sangue/fluidos corporais. Também é essencial após o uso do banheiro e no cuidado de pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por patógenos que formam esporos, como Clostridioides difficile, pois o álcool não tem ação esporicida.
Precauções Baseadas na Transmissão
Estas são medidas adicionais utilizadas em conjunto com as Precauções Padrão para pacientes com patógenos específicos. O uso de EPI é o pilar dessas precauções.
| Tipo de Precaução | Mecanismo de Transmissão | Exemplos de Patógenos | EPI Requerido | Acomodação do Paciente |
|---|---|---|---|---|
| Contato | Contato direto (pele com pele) ou indireto (contato com superfícies contaminadas). | Bactérias multirresistentes (MRSA, VRE, KPC), Clostridioides difficile, sarna (escabiose), impetigo. | Luvas e Avental ao entrar no quarto. | Quarto privativo. Se não for possível, coorte (agrupar pacientes com o mesmo patógeno). |
| Gotículas | Gotículas (>5 µm) geradas ao tossir, espirrar ou falar, que se depositam em mucosas a curta distância (até 1-2 metros). | Influenza, Coqueluche, Caxumba, Rubéola, Neisseria meningitidis, Adenovírus, COVID-19 (fora de PGA). | Máscara Cirúrgica ao se aproximar do paciente. Proteção ocular se houver risco de respingos. | Quarto privativo. O paciente deve usar máscara cirúrgica se precisar sair do quarto. |
| Aerossóis | Partículas de aerossol (<5 µm) que permanecem suspensas no ar por longos períodos e podem ser inaladas. | Tuberculose (forma pulmonar ou laríngea), Sarampo, Varicela. COVID-19 durante Procedimentos Geradores de Aerossol (PGA). | Respirador PFF2/N95 antes de entrar no quarto. | Quarto privativo com pressão de ar negativa e sistema de ventilação com alta taxa de renovação do ar (≥12 trocas/hora). |
Treinamento e Competência
A simples disponibilização de EPI é insuficiente para garantir a segurança. A proteção eficaz depende diretamente da competência do profissional em utilizá-lo corretamente. Portanto, programas de PCI devem incluir:
- Treinamento Regular: Sessões teóricas e práticas sobre a seleção correta, as sequências de paramentação e desparamentação, e o descarte adequado do EPI.
- Prática e Simulação: Exercícios práticos e simulações de cenários de alto risco permitem que os profissionais desenvolvam memória muscular e identifiquem potenciais falhas em um ambiente seguro.
- Verificação de Competência: Avaliações periódicas para garantir que os profissionais mantenham a proficiência nas técnicas.
- Observadores de EPI ("Buddies"): Em situações de altíssimo risco, como no manejo de doenças altamente contagiosas (ex: Ebola, COVID-19 em UTIs), a implementação de um sistema de "duplas" ou "observadores" é uma estratégia de segurança avançada. Um profissional treinado observa ativamente o outro durante a paramentação e, principalmente, a desparamentação, fornecendo instruções em tempo real para prevenir qualquer quebra de técnica e contaminação.
