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Teratoma Cístico Maduro (Cisto Dermoide)

O teratoma cístico maduro, popularmente conhecido como cisto dermoide, é o tumor de células germinativas benigno mais comum do ovário. Representa uma entidade clínica de grande importância na ginecologia devido à sua frequência, apresentação variada e potencial para complicações agudas. Sua compreensão é fundamental para a prática clínica e para as provas de residência, como o ENARE.

Introdução e Epidemiologia

O teratoma cístico maduro é uma neoplasia ovariana benigna que se origina de células germinativas totipotentes. É a neoplasia ovariana mais comum em mulheres com menos de 20 anos e a neoplasia de células germinativas mais frequente em todas as faixas etárias. Constitui cerca de 10-20% de todas as neoplasias ovarianas.

  • Pico de Incidência: O diagnóstico é mais frequente durante os anos reprodutivos, tipicamente entre 20 e 40 anos de idade.
  • Prevalência: É o tumor ovariano mais comum em crianças, adolescentes e mulheres jovens.
  • Localização: Embora possa ocorrer em qualquer ovário, há uma leve predominância no ovário direito.

Fisiopatologia

A origem do teratoma cístico maduro está nas células germinativas primordiais que, após a primeira divisão meiótica, iniciam um processo de diferenciação partenogenética. Isso resulta na formação de tecidos bem diferenciados derivados de, no mínimo, duas das três camadas germinativas: ectoderma, mesoderma e endoderma.

  • Composição Tissular:
    • Ectoderma (mais comum): Pele e seus anexos (folículos pilosos, glândulas sebáceas e sudoríparas), tecido neural e dentes. O material sebáceo e os cabelos são responsáveis pelo aspecto característico do conteúdo do cisto.
    • Mesoderma: Tecido adiposo, cartilagem, osso e músculo liso.
    • Endoderma: Epitélio brônquico ou gastrointestinal, e tecido tireoidiano (dando origem a uma variante chamada struma ovarii).
  • Estrutura Macroscópica: Geralmente é um cisto unilocular, de parede lisa e espessa, preenchido por um material gorduroso, amarelado e de odor rançoso, misturado com tufos de cabelo. Frequentemente, observa-se uma protuberância sólida na parede do cisto, conhecida como nódulo de Rokitansky ou "plug dermoide", de onde comumente se originam cabelos e dentes.
  • Bilateralidade: Os teratomas císticos maduros são bilaterais em aproximadamente 10-15% dos casos. Este é um dado epidemiológico frequentemente cobrado em provas.

Armadilhas do ENARE

Conceito-Chave Validado pelo Exame (ENARE 2024, Q71): A bilateralidade dos teratomas císticos maduros é um ponto de alta relevância. Uma questão pode apresentar uma paciente com um cisto dermoide em um ovário e perguntar sobre a conduta ou a probabilidade de acometimento contralateral. Lembre-se que em cerca de 1 em cada 10 pacientes, o outro ovário também estará acometido. Isso justifica a inspeção cuidadosa do ovário contralateral durante o ato cirúrgico.

Apresentação Clínica e Exame Físico

A maioria das pacientes com teratoma cístico maduro é assintomática, e o diagnóstico ocorre de forma incidental durante um exame pélvico de rotina ou um exame de imagem realizado por outro motivo.

Quando sintomático, o quadro clínico pode incluir:

  • Dor Pélvica Crônica: Geralmente descrita como uma dor surda, em peso ou pressão na pelve, decorrente do efeito de massa do tumor.
  • Aumento do Volume Abdominal: Em casos de cistos grandes.
  • Sintomas Urinários ou Intestinais: Por compressão da bexiga ou do reto.
  • Dor Aguda e Súbita: Este é um sinal de alarme e sugere fortemente uma complicação, como a torção ovariana.

Exame Físico:

Ao exame pélvico bimanual, pode-se palpar uma massa anexial, geralmente unilateral, móvel, indolor e de consistência elástica ou cística. A localização mais comum é anterior ao útero. Em casos de torção, a massa torna-se extremamente dolorosa à palpação, e a paciente pode apresentar sinais de irritação peritoneal.

Diagnóstico por Imagem

A ultrassonografia (USG) pélvica, preferencialmente transvaginal, é o método de imagem de escolha para o diagnóstico.

Achados Ultrassonográficos Clássicos:

  • Nódulo de Rokitansky (Plug Dermoide): Uma área hiperecogênica (brilhante) na parede do cisto, frequentemente com sombra acústica posterior, que corresponde a uma mistura de cabelo, sebo e, por vezes, dentes ou osso. É um achado patognomônico.
  • Sinal da "Ponta do Iceberg": Uma massa ecogênica com sombra acústica posterior tão intensa que obscurece as estruturas mais profundas, causada pela grande quantidade de cabelo e material sebáceo.
  • Linhas e Pontos Hiperecogênicos: Correspondem a feixes de cabelo flutuando no conteúdo líquido do cisto.
  • Nível Gordura-Líquido: Uma interface entre o material sebáceo (menos denso, sobrenadante) e o fluido aquoso.
  • Calcificações: Focos hiperecogênicos com forte sombra acústica posterior, representando dentes ou fragmentos ósseos.

Outros Métodos de Imagem:

  • Tomografia Computadorizada (TC) e Ressonância Magnética (RM): São exames de segunda linha, reservados para casos em que a USG é inconclusiva, para cistos muito grandes ou complexos, ou quando há suspeita de malignidade. A TC é excelente para detectar gordura (baixa atenuação, Hounsfield units negativas) e calcificações. A RM oferece uma caracterização superior dos tecidos moles.

Tratamento e Manejo

O tratamento definitivo para o teratoma cístico maduro é a remoção cirúrgica. A decisão pela cirurgia é baseada no risco de complicações (torção, ruptura) e na rara possibilidade de transformação maligna.

Modalidades Cirúrgicas:

  1. Cistectomia Ovariana: É o procedimento de escolha para mulheres em idade reprodutiva que desejam preservar a fertilidade. Consiste na enucleação do cisto, com a preservação do máximo de tecido ovariano saudável possível.
  2. Ooforectomia: Remoção de todo o ovário e da tuba uterina (salpingo-ooforectomia). Pode ser considerada em mulheres na pós-menopausa ou quando o ovário está completamente destruído pelo tumor, sem tecido viável para preservação.

Vias de Acesso:

  • Laparoscopia: É a via de acesso preferencial. Oferece vantagens como menor dor pós-operatória, recuperação mais rápida, menor tempo de internação e melhor resultado estético.
  • Laparotomia: Reservada para cistos muito volumosos (geralmente > 10-12 cm), suspeita de malignidade, ou em casos de ruptura com peritonite química extensa.

Raciocínio Clínico

Por que a cistectomia é a primeira escolha em mulheres jovens? A preservação do tecido ovariano é crucial para manter a função hormonal e a reserva folicular, garantindo a fertilidade futura e evitando a menopausa precoce. Mesmo um pequeno fragmento de ovário saudável é capaz de manter a função endócrina e reprodutiva.

Durante o procedimento, é essencial evitar a ruptura do cisto para prevenir o extravasamento do seu conteúdo na cavidade peritoneal, o que pode causar uma intensa peritonite química. Se a ruptura ocorrer, a cavidade deve ser exaustivamente irrigada com solução salina.

Complicações e Prognóstico

Embora benigno, o teratoma cístico maduro pode levar a complicações graves.

Complicação Frequência Descrição e Manejo
Torção Ovariana ~15% (a mais comum) O pedículo do ovário torce sobre seu próprio eixo, comprometendo o suprimento sanguíneo. Causa dor abdominal aguda, súbita e intensa, associada a náuseas e vômitos. É uma emergência cirúrgica. O tratamento é a distorção cirúrgica e cistectomia.
Ruptura ~1-4% Pode ser espontânea ou iatrogênica. O extravasamento do conteúdo sebáceo causa uma peritonite química granulomatosa grave, com dor intensa e sinais de abdome agudo. O tratamento é a lavagem exaustiva da cavidade e remoção do cisto.
Transformação Maligna ~1-2% (rara) Ocorre principalmente em mulheres na pós-menopausa (>50 anos). O tipo histológico mais comum é o carcinoma de células escamosas (CEC). Suspeita-se quando há um componente sólido vascularizado ao Doppler na USG. O prognóstico é ruim.
Infecção Rara O cisto pode ser colonizado por bactérias, levando a um quadro de abscesso tubo-ovariano. Cursa com febre, dor e leucocitose.

O prognóstico para o teratoma cístico maduro benigno é excelente após a remoção cirúrgica, com cura na grande maioria dos casos.

Populações Especiais

Gestantes

O diagnóstico de teratoma cístico maduro durante a gestação não é incomum, sendo frequentemente um achado na ultrassonografia de primeiro trimestre.

  • Riscos: Há um risco aumentado de torção ovariana, especialmente entre 10 e 16 semanas de gestação (devido ao rápido crescimento uterino que desloca o ovário) e no período pós-parto imediato (devido à involução uterina súbita).
  • Manejo:
    • Cistos pequenos e assintomáticos: Podem ser manejados de forma expectante, com acompanhamento ultrassonográfico. A cirurgia é geralmente adiada para o pós-parto.
    • Cistos grandes (> 6 cm) ou sintomáticos: A cirurgia é indicada. O momento ideal para a intervenção é o início do segundo trimestre (14-20 semanas), quando o risco de aborto é menor e o útero ainda não é tão volumoso a ponto de dificultar o acesso cirúrgico.

Adolescentes e Crianças

Nesta faixa etária, o teratoma cístico maduro é a neoplasia ovariana mais comum e uma das principais causas de massa anexial e de torção ovariana. O manejo é sempre conservador, com ênfase máxima na preservação da fertilidade através da cistectomia ovariana, idealmente por via laparoscópica.

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