top of page

Pólipo Endometrial

O pólipo endometrial é uma das patologias uterinas benignas mais comuns, representando uma causa frequente de sangramento uterino anormal (SUA) em mulheres na perimenopausa e pós-menopausa. Seu diagnóstico e manejo adequados são temas recorrentes nas provas de residência, exigindo do candidato o conhecimento sobre os fatores de risco, métodos diagnósticos e indicações de tratamento.

Introdução e Epidemiologia

Definição: O pólipo endometrial é um crescimento hiperplásico localizado e focal do endométrio, que se projeta para a cavidade uterina. Histologicamente, é composto por três componentes principais: glândulas endometriais, estroma e um eixo vascular central com vasos sanguíneos de paredes espessas.

É uma causa extremamente comum de sangramento uterino anormal (SUA), sendo responsável por até um terço dos casos. A prevalência exata é difícil de determinar, pois muitos pólipos são assintomáticos, mas estudos de histerectomia e autópsia sugerem uma prevalência que varia de 10% a 40% na população feminina geral.

Fatores de Risco

A incidência dos pólipos endometriais aumenta progressivamente com a idade, atingindo seu pico entre 40 e 50 anos (perimenopausa) e permanecendo prevalente em mulheres na pós-menopausa. Os principais fatores de risco estão associados a estados de hiperestrogenismo, seja endógeno ou exógeno:

  • Idade: O risco aumenta com a idade, especialmente na perimenopausa e pós-menopausa.
  • Obesidade: O tecido adiposo periférico converte androgênios (androstenediona) em estrona, um tipo de estrogênio. Isso leva a um estado de hiperestrogenismo relativo crônico, que estimula o crescimento endometrial.
  • Uso de Tamoxifeno: Este fármaco é um Modulador Seletivo do Receptor de Estrogênio (SERM). Enquanto atua como um antiestrogênico no tecido mamário (sendo usado no tratamento do câncer de mama), ele tem um efeito agonista (pró-estrogênico) no endométrio, aumentando significativamente o risco de desenvolvimento de pólipos, hiperplasia e até carcinoma endometrial.
  • Terapia de Reposição Hormonal (TRH): Especificamente, a terapia apenas com estrogênio (sem a oposição da progesterona) em mulheres com útero intacto é um fator de risco importante. A progesterona tem um efeito antiproliferativo no endométrio, e sua ausência permite a estimulação estrogênica contínua.
  • Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS): A associação não é completamente elucidada, mas é consistentemente observada em estudos epidemiológicos.
  • Síndromes Genéticas: Pacientes com Síndrome de Lynch (câncer colorretal hereditário não poliposo) e Síndrome de Cowden têm um risco aumentado de pólipos e câncer de endométrio.

Fisiopatologia

Acredita-se que o desenvolvimento do pólipo endometrial seja um processo multifatorial, mas a estimulação estrogênica é o pilar central. A fisiopatologia envolve:

  • Proliferação Monoclonal: Estudos genéticos demonstram que a maioria dos pólipos endometriais se origina de uma única célula endometrial que sofre uma alteração genética (proliferação monoclonal), levando a um crescimento desregulado.
  • Sensibilidade Estrogênica: Os pólipos são ricos em receptores de estrogênio. O estrogênio promove o crescimento das glândulas e do estroma endometrial, explicando a associação com estados hiperestrogênicos. Eles também possuem receptores de progesterona, mas em menor quantidade, o que pode explicar por que não descamam completamente durante a menstruação.
  • Fatores Genéticos e Moleculares: Rearranjos cromossômicos, especialmente envolvendo o cromossomo 6, e a superexpressão de fatores de crescimento e proteínas anti-apoptóticas (como a Bcl-2) contribuem para a sua formação e persistência.

Morfologicamente, os pólipos podem ser classificados como:

  • Sésseis: Possuem uma base de implantação larga.
  • Pediculados: Estão ligados à parede uterina por um pedículo ou haste fina. Pólipos pediculados longos podem, ocasionalmente, se projetar através do colo do útero e serem visíveis no exame especular.

Apresentação Clínica e Exame Físico

A apresentação clínica dos pólipos endometriais é variável, indo desde pacientes completamente assintomáticas até aquelas com sangramento significativo.

Sintomas

  • Sangramento Uterino Anormal (SUA): É o sintoma mais comum. Pode se manifestar de várias formas:
    • Sangramento Intermenstrual (Metrorragia): Sangramento ou "spotting" entre os períodos menstruais regulares. É a apresentação mais clássica.
    • Sangramento Menstrual Abundante (Menorragia): Aumento do volume ou da duração do fluxo menstrual.
    • Sangramento Pós-menopausa: Qualquer sangramento que ocorra mais de um ano após a última menstruação. Todo sangramento pós-menopausa deve ser investigado para excluir malignidade.
  • Assintomático: Muitos pólipos são achados incidentais durante exames de imagem (como ultrassonografia pélvica) realizados por outros motivos.
  • Infertilidade e Perda Gestacional Recorrente: Pólipos podem interferir na fertilidade por mecanismos mecânicos (dificultando a implantação do embrião) ou inflamatórios (criando um ambiente intrauterino hostil).

Exame Físico

Na grande maioria dos casos, o exame físico ginecológico (exame especular e toque bimanual) é completamente normal. O útero geralmente tem tamanho, forma e consistência normais. Em raras ocasiões, um pólipo pediculado grande pode se prolapsar através do orifício cervical externo, sendo visível no exame especular como uma estrutura lisa, avermelhada e friável na vagina.

Raciocínio Clínico

Diante de uma paciente com sangramento intermenstrual, especialmente na faixa etária de 40-50 anos, o pólipo endometrial deve estar no topo da lista de diagnósticos diferenciais. Em uma mulher na pós-menopausa com qualquer sangramento, a investigação é mandatória, e o pólipo é uma causa comum, mas o câncer de endométrio deve ser ativamente excluído.

Investigação Diagnóstica

A investigação visa confirmar a presença da lesão intracavitária, avaliar suas características e, idealmente, obter material para análise histopatológica.

Ultrassonografia Transvaginal (USTV)

É o método de imagem inicial de escolha por ser amplamente disponível, não invasivo e de baixo custo. O achado clássico é uma lesão focal, bem definida e ecogênica (brilhante) dentro da cavidade endometrial. Um pedículo vascular pode ser identificado com o uso do Doppler colorido ("sinal do pedículo vascular"). A sensibilidade da USTV é maior quando realizada na fase proliferativa inicial do ciclo menstrual (logo após a menstruação), quando o endométrio está fino, criando um contraste com o pólipo.

Histerossonografia (Saline Infusion Sonohysterography - SIS)

É um aprimoramento da USTV. Consiste na infusão de soro fisiológico estéril na cavidade uterina através de um cateter fino, enquanto se realiza a ultrassonografia. O soro distende a cavidade, delineando com alta precisão as lesões intracavitárias. A histerossonografia é excelente para diferenciar espessamentos endometriais difusos (hiperplasia) de lesões focais (pólipos, miomas submucosos) e é considerada o melhor método de imagem não invasivo para avaliação da cavidade uterina.

Histeroscopia Diagnóstica

É o padrão-ouro para o diagnóstico de pólipos endometriais. Um endoscópio fino (histeroscópio) é inserido através do colo do útero, permitindo a visualização direta de toda a cavidade endometrial. A histeroscopia permite identificar o pólipo, sua localização, tamanho, e avaliar o restante do endométrio. A principal vantagem é a capacidade de realizar o diagnóstico e o tratamento no mesmo procedimento ("see and treat"), com a ressecção do pólipo sob visão direta (polipectomia histeroscópica).

Conceito-Chave Validado pelo Exame: ENARE 2024

Cenário da Questão: Paciente na pós-menopausa com sangramento. Ultrassonografia mostra endométrio com 3 mm de espessura, mas com uma imagem focal hiperecogênica de 5 mm em seu interior.
Raciocínio: O ponto de corte para espessura endometrial na pós-menopausa para indicar investigação adicional (biópsia) é tipicamente > 4 ou 5 mm. No entanto, essa regra se aplica a um espessamento difuso. A presença de uma lesão focal, mesmo com um endométrio de base fino, é altamente suspeita para uma patologia intracavitária, como um pólipo. A histerossonografia ou, idealmente, a histeroscopia, é o próximo passo para confirmar o diagnóstico e realizar a biópsia/ressecção. A resposta correta é a suspeita de pólipo endometrial.

Tratamento e Manejo

A decisão de tratar um pólipo endometrial depende dos sintomas, do tamanho do pólipo, da idade da paciente e do risco de malignidade.

Tabela de Manejo do Pólipo Endometrial
População de Pacientes Manejo Recomendado Justificativa
Pré-menopausa, Assintomática, Pólipo < 1.5 cm Conduta expectante (observação) com acompanhamento ultrassonográfico. Risco de malignidade extremamente baixo. Muitos podem regredir espontaneamente.
Pré-menopausa, Sintomática (SUA, infertilidade) Polipectomia Histeroscópica Alívio dos sintomas e melhora potencial da fertilidade. Análise histopatológica é necessária.
Pré-menopausa, Assintomática, Pólipo > 1.5 cm ou múltiplos pólipos Polipectomia Histeroscópica Pólipos maiores têm maior probabilidade de se tornarem sintomáticos e um risco ligeiramente aumentado de alterações atípicas.
Pós-menopausa (QUALQUER PÓLIPO) Polipectomia Histeroscópica Mandatório. O risco de malignidade (hiperplasia atípica ou carcinoma) é maior nesta população (~4-5%), independentemente dos sintomas. Todo tecido deve ser enviado para análise histopatológica.

Polipectomia Histeroscópica

É o tratamento cirúrgico de escolha. Realizado sob visão direta, permite a remoção completa do pólipo, incluindo sua base, o que reduz o risco de recorrência. É um procedimento minimamente invasivo, geralmente realizado em regime de hospital-dia. A curetagem uterina às cegas não é recomendada como método de tratamento, pois frequentemente falha em remover o pólipo completamente (taxas de falha de até 50%).

Complicações e Prognóstico

Risco de Malignidade

A principal preocupação associada aos pólipos é o potencial de abrigar uma lesão pré-maligna (hiperplasia endometrial com atipias) ou maligna (carcinoma endometrial). O risco geral é baixo, mas varia significativamente com a população:

  • Geral: ~2-3%
  • Mulheres na pré-menopausa: < 1.5%
  • Mulheres na pós-menopausa: ~4-5%
  • Mulheres na pós-menopausa COM sangramento: O risco é maior.
  • Usuárias de Tamoxifeno: Risco aumentado em comparação com a população geral.

Por isso, a análise histopatológica de todo pólipo ressecado é obrigatória.

Infertilidade

Pólipos podem causar infertilidade ou abortamento de repetição. A remoção do pólipo (polipectomia) tem demonstrado melhorar as taxas de gravidez, tanto espontâneas quanto em ciclos de fertilização in vitro (FIV).

Prognóstico

O prognóstico após a polipectomia é excelente. A maioria das mulheres experimenta resolução completa do sangramento anormal. A taxa de recorrência de pólipos é baixa, mas possível.

Populações Especiais

Mulheres na Pós-menopausa

Este é um grupo de alta importância para as provas. A regra é clara: todo pólipo endometrial identificado em uma mulher na pós-menopausa, seja ele sintomático ou um achado incidental, deve ser removido por histeroscopia e enviado para estudo histopatológico. A justificativa é o risco aumentado de malignidade subjacente.

Pacientes em Uso de Tamoxifeno

O tamoxifeno induz alterações endometriais específicas, incluindo a formação de pólipos que tendem a ser maiores, múltiplos e com maior frequência de alterações citoarquiteturais. Além disso, o risco de hiperplasia e carcinoma endometrial está aumentado nestas pacientes. Portanto, a vigilância endometrial com ultrassonografia transvaginal periódica é recomendada, e qualquer achado suspeito, especialmente se associado a sangramento, deve levar a uma investigação imediata com histeroscopia.

Armadilhas do ENARE

Uma questão pode apresentar uma paciente em uso de tamoxifeno com um achado de pólipo assintomático na ultrassonografia de rotina. A conduta expectante não é a melhor opção neste cenário. Devido ao maior risco de alterações malignas associadas ao tamoxifeno, a polipectomia histeroscópica para diagnóstico histológico definitivo é a conduta mais segura e recomendada.

bottom of page