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Mastalgia

Mastalgia, ou dor mamária, é uma das queixas mais comuns em consultórios de ginecologia e mastologia, sendo uma fonte significativa de ansiedade para as pacientes, principalmente devido ao medo de câncer de mama. Embora seja uma condição predominantemente benigna, sua alta prevalência e o impacto na qualidade de vida exigem uma abordagem diagnóstica e terapêutica sistemática e baseada em evidências.

Introdução e Epidemiologia

Definição: Mastalgia é o termo médico para dor, sensibilidade ou desconforto localizado na mama ou na região axilar. É um sintoma, não uma doença, e pode variar de um leve incômodo a uma dor intensa e incapacitante.

Prevalência: É uma condição extremamente comum. Estima-se que até 70% das mulheres experimentarão mastalgia em algum momento de suas vidas. Apesar da alta prevalência, apenas uma pequena porcentagem (cerca de 10-15%) necessitará de tratamento farmacológico devido à intensidade dos sintomas.

Classificação da Mastalgia

A mastalgia é classicamente dividida em três categorias, o que é fundamental para orientar a investigação e o tratamento.

  • Mastalgia Cíclica: É o tipo mais comum, correspondendo a cerca de dois terços dos casos. Caracteriza-se por uma dor difusa, frequentemente bilateral, com sensação de peso ou "inchaço" nas mamas. A principal característica é sua clara associação com o ciclo menstrual, piorando na fase lútea (pré-menstrual) e aliviando com o início da menstruação. Geralmente afeta mulheres na pré-menopausa, entre 30 e 50 anos.
  • Mastalgia Acíclica (Não-Cíclica): Corresponde a cerca de um quarto dos casos. A dor não tem relação com o ciclo menstrual. Tende a ser unilateral, localizada (a paciente consegue apontar o local da dor com um dedo) e descrita como aguda, em pontada ou queimação. É mais comum em mulheres entre 40 e 50 anos (perimenopausa). Por ser focal e persistente, gera mais ansiedade e frequentemente motiva a busca por exames de imagem.
  • Dor Extramamária: Representa cerca de 10% dos casos. A dor é sentida na mama, mas sua origem é em outra estrutura anatômica. É uma dor referida. As causas mais comuns são de origem musculoesquelética na parede torácica.
Tabela 1: Classificação e Características da Mastalgia
Característica Mastalgia Cíclica Mastalgia Acíclica Dor Extramamária
Relação com Ciclo Menstrual Presente (piora na fase lútea) Ausente Ausente
Localização Difusa, bilateral, quadrantes superiores externos Localizada, unilateral, focal Pode ser difusa ou localizada, geralmente na parede torácica
Caráter da Dor Peso, sensibilidade, "inchaço" Aguda, pontada, queimação Variável (aguda, mialgia, queimação)
Faixa Etária Comum 30-50 anos (pré-menopausa) 40-50 anos (perimenopausa) Qualquer idade
Associação com Câncer Extremamente rara Rara, mas requer investigação mais cuidadosa Nenhuma

Fisiopatologia

Mastalgia Cíclica

A fisiopatologia exata não é completamente compreendida, mas a teoria mais aceita envolve uma resposta exacerbada do tecido mamário aos hormônios sexuais durante o ciclo menstrual. Acredita-se que um desequilíbrio na relação estrogênio/progesterona na fase lútea leve a um aumento da proliferação ductal e da permeabilidade vascular, resultando em edema estromal e, consequentemente, dor e sensibilidade. A prolactina também pode desempenhar um papel, sensibilizando o tecido mamário aos efeitos dos estrogênios.

Mastalgia Acíclica

A dor acíclica está frequentemente associada a uma causa anatômica ou estrutural específica na mama. As causas incluem:

  • Alterações Fibrocísticas: Cistos mamários, especialmente quando sob tensão, podem causar dor focal e aguda. A fibrose e a adenose também podem contribuir.
  • Ectasia Ductal: A dilatação e inflamação dos ductos mamários subareolares pode causar dor em queimação e, por vezes, descarga papilar.
  • Trauma Mamário: Um trauma direto pode levar a uma contusão ou a uma necrose gordurosa, que pode se manifestar como um nódulo doloroso.
  • Pós-cirúrgico: A dor pode ser uma sequela de cirurgias mamárias (biópsias, mamoplastias), frequentemente por lesão de nervos intercostais ou formação de tecido cicatricial (neuroma).
  • Tromboflebite Superficial (Doença de Mondor): Inflamação e trombose de uma veia superficial da parede torácica ou da mama, apresentando-se como um cordão endurecido, avermelhado e doloroso.
  • Mastite: Embora mais comum na lactação, a mastite periductal pode ocorrer em mulheres não lactantes, causando dor, eritema e calor.
  • Câncer de Mama: É uma causa rara de dor mamária (menos de 5% dos casos de câncer se apresentam com dor isolada). O câncer inflamatório de mama é uma exceção notável, cursando com dor, edema e eritema difuso (aspecto de "casca de laranja").

Dor Extramamária

A dor referida para a mama pode ter diversas origens, sendo as musculoesqueléticas as mais comuns:

  • Costocondrite (Síndrome de Tietze): Inflamação das articulações costocondrais ou costoesternais. A dor é tipicamente reproduzida pela palpação da junção da costela com o esterno.
  • Mialgia: Dor nos músculos peitorais ou intercostais, muitas vezes relacionada a esforço físico ou má postura.
  • Neuralgia Intercostal: Irritação de um nervo intercostal, que pode ser causada por herpes zóster (mesmo antes do aparecimento das vesículas), trauma ou compressão.
  • Outras Causas: Doença do refluxo gastroesofágico, doença isquêmica do coração (angina), e patologias da coluna torácica podem, mais raramente, mimetizar dor mamária.

Apresentação Clínica e Exame Físico

A avaliação inicial é a etapa mais importante para diferenciar os tipos de mastalgia e excluir patologias graves.

Anamnese Detalhada

A caracterização da dor é crucial:

  • Temporalidade: A dor é constante ou intermitente? Qual a sua relação com o ciclo menstrual? (Pergunta-chave para diferenciar cíclica de acíclica).
  • Localização: A dor é difusa ou a paciente consegue apontar um local específico? É unilateral ou bilateral?
  • Intensidade: Utilizar uma escala visual analógica (0 a 10) para quantificar a dor e seu impacto nas atividades diárias (trabalho, sono, vida sexual).
  • Qualidade: É em peso, pontada, queimação, sensibilidade?
  • Fatores de Melhora e Piora: Uso de sutiãs, atividade física, palpação.
  • Sintomas Associados: Presença de nódulos, descarga papilar, alterações de pele (retração, eritema, edema).
  • História Pregressa: Traumas, cirurgias mamárias, uso de medicamentos (terapia hormonal, antidepressivos, anti-hipertensivos), história familiar de câncer de mama.

Exame Físico Completo

Um exame físico minucioso é mandatório para excluir a presença de alterações palpáveis e avaliar possíveis causas extramamárias.

  1. Inspeção Estática e Dinâmica: Com a paciente sentada, inspecionar as mamas em busca de assimetrias, abaulamentos, retrações ou alterações cutâneas. Repetir a inspeção com a paciente elevando os braços e com as mãos na cintura (contraindo a musculatura peitoral).
  2. Palpação das Mamas: Realizada com a paciente em decúbito dorsal, com o braço do lado examinado elevado acima da cabeça. Utilizar as polpas digitais dos dedos, em movimentos circulares, verticais ou radiais, cobrindo toda a área da mama, desde a clavícula até o sulco inframamário e da linha axilar média até o esterno. Pesquisar nódulos, espessamentos ou áreas de sensibilidade.
  3. Palpação das Axilas e Regiões Supra e Infraclaviculares: Em busca de linfonodomegalias.
  4. Exame da Parede Torácica: Palpar as articulações costoesternais e os músculos peitorais para avaliar a reprodutibilidade da dor, o que sugere uma causa extramamária (musculoesquelética).

Raciocínio Clínico

A etapa mais crucial no manejo da mastalgia é a anamnese e o exame físico. Um exame físico normal em uma paciente com mastalgia cíclica típica é extremamente tranquilizador. A simples afirmação do médico de que não há achados suspeitos e que a dor não está associada ao câncer é, muitas vezes, a intervenção terapêutica mais eficaz, aliviando a "cancerofobia" que alimenta o ciclo de dor e ansiedade.

Avaliação Diagnóstica

A mastalgia é, na maioria das vezes, um diagnóstico clínico. A solicitação de exames de imagem não é rotineira e deve ser criteriosa.

Indicações para Exames de Imagem (Mamografia e/ou Ultrassonografia)

  • Presença de achado suspeito no exame físico: Nódulo dominante, espessamento focal, descarga papilar suspeita. Esta é uma indicação absoluta.
  • Mastalgia Acíclica Focal e Persistente: Especialmente se for severa e não responder às medidas iniciais. A imagem serve para excluir uma causa estrutural subjacente.
  • Idade da Paciente: Em mulheres com mais de 35-40 anos com uma queixa nova de dor focal, o limiar para solicitar exames de imagem é menor, mesmo com exame físico normal, para aumentar a segurança diagnóstica.
  • Ansiedade da Paciente: Em casos selecionados, onde a ansiedade sobre a possibilidade de câncer é extrema, um exame de imagem com resultado normal pode ter um efeito terapêutico significativo.

Escolha do Exame:

  • Mulheres < 35 anos: A Ultrassonografia (USG) é o método de escolha, devido à maior densidade do parênquima mamário, que limita a acurácia da mamografia, e para evitar exposição à radiação.
  • Mulheres ≥ 35-40 anos: A Mamografia (MMG) é o exame inicial, geralmente complementada pela USG para avaliação de achados específicos ou em mamas densas.

Armadilhas do ENARE

Questões de prova podem apresentar um caso de mastalgia e perguntar a conduta. A resposta "solicitar mamografia e ultrassonografia para todas as pacientes" está incorreta. A indicação de imagem é seletiva. Uma paciente jovem com mastalgia cíclica difusa e exame físico normal tem como conduta principal a orientação e medidas de suporte, não a solicitação de exames de imagem.

Tratamento e Manejo

O tratamento da mastalgia segue uma abordagem escalonada, começando com medidas conservadoras e progredindo para farmacoterapia apenas nos casos mais severos e refratários.

Primeira Linha: Medidas Não-Farmacológicas

Esta é a base do tratamento para a maioria das pacientes, especialmente com mastalgia cíclica leve a moderada.

  • Reassurance e Educação: Explicar a natureza benigna da condição e sua baixa associação com câncer de mama. Esta é a intervenção mais importante.
  • Uso de Sutiã de Suporte Adequado: Um sutiã bem ajustado, que forneça bom suporte durante o dia e, para algumas mulheres, um sutiã de algodão mais leve para dormir, pode reduzir significativamente a dor ao limitar o movimento das mamas.
  • Modificações Dietéticas: Embora a evidência seja controversa, algumas mulheres relatam melhora com a redução da ingestão de cafeína (café, chá, chocolate, refrigerantes) e de gorduras. A recomendação é uma dieta balanceada e com baixo teor de gordura.
  • Compressas Quentes ou Frias: Podem proporcionar alívio sintomático.

Segunda Linha: Tratamento Farmacológico Tópico e Oral

Indicado para dor moderada a severa que não responde às medidas iniciais.

  • AINEs Tópicos: O diclofenaco em gel é a primeira escolha farmacológica. Aplicado diretamente na área dolorosa, oferece alívio com mínimos efeitos colaterais sistêmicos.
  • AINEs Orais: Ibuprofeno, naproxeno ou ácido mefenâmico podem ser usados, especialmente na fase lútea para a mastalgia cíclica. O uso deve ser limitado devido ao risco de efeitos colaterais gastrointestinais e renais.

Terceira Linha: Terapia Hormonal (Uso por Especialista)

Reservada para casos graves e incapacitantes de mastalgia cíclica que não responderam a todas as outras medidas, devido ao perfil de efeitos colaterais. A paciente deve ser amplamente orientada sobre os riscos e benefícios.

  • Tamoxifeno: Um Modulador Seletivo do Receptor de Estrogênio (SERM). É o fármaco mais eficaz e a primeira escolha nesta linha.
    • Mecanismo: Bloqueia os receptores de estrogênio no tecido mamário.
    • Dose: 10 mg/dia (dose menor que a usada no tratamento do câncer de mama).
    • Efeitos Colaterais: Fogachos (ondas de calor), risco aumentado de tromboembolismo venoso e câncer de endométrio (raro com uso em curto prazo).
  • Danazol: Um andrógeno sintético que suprime a secreção de gonadotrofinas (FSH/LH).
    • Mecanismo: Cria um ambiente hipoestrogênico.
    • Dose: 100-200 mg/dia.
    • Efeitos Colaterais: Efeitos androgênicos significativos (acne, hirsutismo, ganho de peso, irregularidade menstrual, alteração da voz), o que limita muito seu uso.
  • Análogos do GnRH (ex: Goserelina): Induzem um estado de menopausa química. São altamente eficazes, mas os efeitos colaterais hipoestrogênicos (fogachos, secura vaginal, perda de massa óssea) restringem seu uso a casos excepcionais e por curtos períodos.

Terapias com Evidência Limitada ou Ineficazes

  • Óleo de Prímula (Evening Primrose Oil): Rico em ácido gama-linolênico, foi popular no passado. Estudos randomizados controlados não demonstraram superioridade em relação ao placebo. Não é mais recomendado como tratamento de primeira linha.
  • Vitamina E: Amplamente utilizada popularmente, mas metanálises e estudos de alta qualidade falharam em comprovar sua eficácia no tratamento da mastalgia.

Conceito-Chave Validado pelo Exame: ENARE_2020_Q75

Uma questão clássica em provas de residência aborda as opções terapêuticas para mastalgia. É fundamental saber que, apesar de seu uso difundido, a Vitamina E não possui evidência científica robusta que comprove sua eficácia no tratamento da mastalgia. A resposta correta para uma questão sobre tratamentos ineficazes ou sem comprovação frequentemente inclui a Vitamina E.

Complicações e Prognóstico

O prognóstico da mastalgia é excelente. É uma condição benigna e autolimitada em muitos casos, especialmente a mastalgia cíclica, que tende a resolver-se com a menopausa.

A principal "complicação" não é de natureza física, mas sim psicossocial. A dor crônica pode ter um impacto negativo significativo na qualidade de vida, afetando:

  • Saúde Mental: Aumentando os níveis de ansiedade e estresse, principalmente pela preocupação com câncer.
  • Atividades Diárias: Dificultando a prática de exercícios físicos.
  • Sono: A dor pode interferir na qualidade do sono.
  • Vida Sexual: A sensibilidade mamária pode tornar o contato físico desconfortável.

O manejo adequado, começando pela tranquilização da paciente, é fundamental para mitigar esses impactos.

Populações Especiais

Puberdade (Telarca)

A dor mamária é comum durante a telarca (início do desenvolvimento mamário). É causada pelo estiramento da pele e do tecido conjuntivo sob o estímulo estrogênico. A dor é geralmente bilateral, localizada na região retroareolar, e deve ser manejada com orientação, tranquilização da adolescente e de seus pais, e analgésicos simples, se necessário.

Gravidez e Lactação

Durante a gravidez, o rápido crescimento e as alterações hormonais podem causar mastalgia difusa e sensibilidade. Na lactação, as causas mais comuns de dor são:

  • Ingurgitamento Mamário: Ocorre nos primeiros dias pós-parto, quando a "descida do leite" é intensa. As mamas ficam cheias, endurecidas e dolorosas. O manejo inclui amamentação em livre demanda e esvaziamento manual ou com bomba.
  • Mastite: Infecção do parênquima mamário, geralmente por Staphylococcus aureus. Cursa com dor focal intensa, eritema, calor e sintomas sistêmicos (febre, calafrios). O tratamento envolve antibioticoterapia (cefalexina é uma opção comum) e manutenção do esvaziamento da mama.
  • Trauma Mamilar e Pega Incorreta: Causa dor aguda no mamilo durante a amamentação. A correção da pega é o tratamento principal.

Pós-menopausa

O surgimento de mastalgia em uma mulher na pós-menopausa, especialmente se não estiver em terapia hormonal, é um sinal de alerta. A mastalgia cíclica desaparece com a cessação dos ciclos menstruais. Portanto, uma dor nova, principalmente acíclica e focal, nesta faixa etária, exige uma investigação com exames de imagem (mamografia e USG) para excluir malignidade, mesmo que o exame físico seja normal. Se a paciente estiver em terapia hormonal, a dor pode ser um efeito colateral da medicação, mimetizando a mastalgia cíclica.

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