Introdução & Epidemiologia
A contracepção hormonal representa um dos maiores avanços da medicina do século XX, oferecendo às mulheres controle sobre sua fertilidade e impactando profundamente a saúde pública e a dinâmica social. Consiste no uso de hormônios esteroides sintéticos (estrogênios e/ou progestagênios) para prevenir a gravidez. A sua eficácia, quando utilizada corretamente, é extremamente alta, superando a maioria dos outros métodos contraceptivos reversíveis.
Classificação dos Contraceptivos Hormonais
Os métodos hormonais são classificados fundamentalmente com base na sua composição hormonal:
- Contraceptivos Hormonais Combinados (CHCs): Contêm um componente estrogênico (geralmente etinilestradiol, mas também valerato de estradiol ou estetrol) e um progestagênio (diversas gerações, como levonorgestrel, noretisterona, gestodeno, desogestrel, drospirenona, etc.).
- Contraceptivos Apenas com Progestagênio (POCs - Progestin-Only Contraceptives): Contêm exclusivamente um progestagênio, sendo uma opção para mulheres com contraindicações ao uso de estrogênio.
Vias de Administração
A tecnologia farmacêutica permitiu o desenvolvimento de diversas vias de administração, cada uma com particularidades quanto à conveniência, posologia e perfil de efeitos colaterais. A escolha da via é um componente crucial da individualização do método contraceptivo.
| Via de Administração | Tipo | Exemplos Comuns | Frequência de Uso | Principais Vantagens | Principais Desvantagens |
|---|---|---|---|---|---|
| Oral (Pílulas) | CHC e POC | Etinilestradiol + Levonorgestrel (CHC); Desogestrel (POC - "minipílula") | Diária | Amplamente disponível, baixo custo, rápido retorno à fertilidade. | Dependente da adesão da usuária, interação com outras drogas, passagem hepática. |
| Injetável | CHC e POC | Enantato de noretisterona + Valerato de estradiol (CHC); Acetato de medroxiprogesterona (DMPA - POC) | Mensal (CHC) ou Trimestral (POC) | Alta eficácia, discreto, não requer ação diária. | Retorno à fertilidade pode ser demorado (especialmente DMPA), irregularidade menstrual comum. |
| Transdérmico (Adesivo) | CHC | Etinilestradiol + Norelgestromina | Semanal (3 semanas de uso, 1 de pausa) | Não requer ação diária, menor efeito de primeira passagem hepática. | Pode descolar, irritação cutânea, visível, possível maior risco de TEV. |
| Vaginal (Anel) | CHC | Etinilestradiol + Etonogestrel | Mensal (3 semanas de uso, 1 de pausa) | Liberação hormonal estável, discreto, controle do ciclo. | Necessidade de manipulação vaginal, pode ser expelido, sensação de corpo estranho. |
| Subdérmico (Implante) | POC | Etonogestrel | Longo prazo (dura 3 anos) | Método LARC (Long-Acting Reversible Contraception) de altíssima eficácia, não depende da usuária. | Requer inserção e remoção por profissional treinado, padrão de sangramento imprevisível. |
| Intrauterino (SIU) | POC | Levonorgestrel (diferentes doses e durações) | Longo prazo (dura 3 a 8 anos, dependendo do modelo) | Método LARC de altíssima eficácia, pode levar à amenorreia, ação predominantemente local. | Requer inserção e remoção por profissional treinado, risco de perfuração e expulsão. |
Prevalência e Tendências de Uso
No Brasil, a pílula oral combinada continua sendo o método hormonal mais prevalente, embora haja uma tendência crescente de adesão aos métodos LARC (implante e SIU hormonal), impulsionada pela sua alta eficácia e conveniência. A escolha do método é influenciada por fatores como idade, paridade, acesso a serviços de saúde, custo e aconselhamento médico. A conscientização sobre os riscos associados ao estrogênio também tem aumentado a popularidade dos métodos apenas com progestagênio.
Mecanismo de Ação
O entendimento do mecanismo de ação é fundamental para a prescrição segura e para o aconselhamento da paciente. Os CHCs e os POCs atuam por mecanismos distintos, embora complementares.
Contraceptivos Hormonais Combinados (CHCs)
Os CHCs exercem seu efeito contraceptivo por meio de múltiplos mecanismos, sendo o principal a supressão da ovulação.
- Mecanismo Primário: Inibição da Ovulação.
- O componente estrogênico (etinilestradiol) atua suprimindo a liberação do Hormônio Liberador de Gonadotrofinas (GnRH) pelo hipotálamo e, principalmente, a secreção do Hormônio Folículo-Estimulante (FSH) pela hipófise. A supressão do FSH impede o recrutamento e o desenvolvimento dos folículos ovarianos.
- O componente progestagênico é o principal responsável pela supressão do pico do Hormônio Luteinizante (LH) na metade do ciclo, que é o gatilho final para a ovulação. A ausência do pico de LH impede a liberação do óvulo.
- Em conjunto, a ação sinérgica do estrogênio e do progestagênio no eixo hipotálamo-hipófise-ovário bloqueia eficazmente a ovulação na grande maioria dos ciclos.
- Mecanismos Secundários (Acessórios):
- Espessamento do Muco Cervical: O progestagênio torna o muco cervical espesso, viscoso e hostil à passagem dos espermatozoides, funcionando como uma barreira física.
- Atrofia Endometrial: A ação contínua do progestagênio leva a uma decidualização e posterior atrofia do endométrio, tornando-o não receptivo a uma eventual implantação de blastocisto.
Contraceptivos Apenas com Progestagênio (POCs)
O mecanismo de ação dos POCs varia dependendo do tipo de progestagênio, da dose e da via de administração. Ao contrário dos CHCs, a supressão da ovulação não é o mecanismo principal para todos os POCs.
- Mecanismo Primário: Efeito no Muco Cervical. Para a maioria dos POCs, especialmente as pílulas de baixa dose (minipílulas) e o SIU de levonorgestrel, o principal efeito contraceptivo é o espessamento do muco cervical, que ocorre de forma rápida e consistente, impedindo a ascensão dos espermatozoides.
- Mecanismos Secundários:
- Alterações Endometriais: Similar aos CHCs, os POCs promovem atrofia endometrial, dificultando a implantação. Este é um efeito importante do SIU hormonal.
- Supressão Variável da Ovulação: A capacidade de suprimir a ovulação varia significativamente:
- Implante de Etonogestrel e Injetável DMPA: Suprimem a ovulação de forma muito eficaz e consistente em quase 100% dos ciclos.
- Minipílula de Desogestrel (75 mcg): Inibe a ovulação em cerca de 97% dos ciclos.
- Minipílulas tradicionais (Levonorgestrel 30 mcg): Inibem a ovulação em apenas 40-60% dos ciclos, dependendo primariamente do efeito no muco cervical.
- SIU de Levonorgestrel: A supressão da ovulação é rara e inconsistente, pois a ação hormonal é predominantemente local (uterina).
Raciocínio Clínico
A diferença no mecanismo de ação explica por que a janela de esquecimento para as minipílulas tradicionais é tão curta (apenas 3 horas). Como seu principal efeito é no muco cervical, que pode se reverter rapidamente, a adesão rigorosa ao horário é crucial. Já para os CHCs ou a minipílula de desogestrel, que também suprimem a ovulação, a janela de esquecimento é maior (12 horas).
Indicações & Seleção de Candidatas
A contracepção hormonal é indicada primariamente para a prevenção da gravidez, mas seus benefícios não contraceptivos são amplamente reconhecidos e constituem uma indicação terapêutica importante em diversas condições ginecológicas.
Benefícios Não Contraceptivos
- Regulação do Ciclo Menstrual: Promove ciclos regulares, previsíveis e com menor fluxo, sendo útil no tratamento de irregularidades menstruais.
- Tratamento da Dismenorreia e Tensão Pré-Menstrual (TPM): A supressão da ovulação e a redução da produção de prostaglandinas no endométrio aliviam cólicas menstruais e sintomas da TPM.
- Tratamento da Menorragia (Sangramento Uterino Aumentado): Reduzem significativamente o volume do fluxo menstrual. O SIU de levonorgestrel é considerado tratamento de primeira linha para sangramento uterino aumentado de causa não estrutural.
- Tratamento de Acne e Hirsutismo: Os CHCs, especialmente aqueles com progestagênios de baixa atividade androgênica ou antiandrogênica (como ciproterona, drospirenona), aumentam a globulina transportadora de hormônios sexuais (SHBG), diminuindo a testosterona livre e melhorando quadros de hiperandrogenismo.
- Redução do Risco de Câncer: O uso de CHCs está associado a uma redução significativa e duradoura do risco de câncer de ovário (redução de até 50%) e de endométrio (redução de até 50%). O efeito protetor aumenta com a duração do uso e persiste por anos após a interrupção.
- Redução do Risco de Doença Inflamatória Pélvica (DIP): O espessamento do muco cervical dificulta a ascensão de patógenos.
- Tratamento da Endometriose e Adenomiose: A indução de um estado de pseudo-gravidez ou atrofia endometrial alivia a dor e controla a progressão da doença.
Critérios Médicos de Elegibilidade da OMS (WHO MEC)
A ferramenta mais importante para a seleção de candidatas é o documento de Critérios Médicos de Elegibilidade para Uso de Contraceptivos da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele classifica as condições médicas em quatro categorias, orientando o profissional sobre a segurança de cada método contraceptivo para aquela paciente.
| Categoria | Descrição | Conduta Clínica |
|---|---|---|
| Categoria 1 | Nenhuma restrição ao uso do método. | Pode ser usado sem restrições. |
| Categoria 2 | As vantagens do uso do método geralmente superam os riscos teóricos ou comprovados. | Geralmente pode ser usado, mas com acompanhamento mais cuidadoso. |
| Categoria 3 | Os riscos teóricos ou comprovados geralmente superam as vantagens do uso do método. | O uso não é usualmente recomendado, a menos que outros métodos mais apropriados não estejam disponíveis ou não sejam aceitáveis. Requer julgamento clínico cuidadoso. |
| Categoria 4 | Condição que representa um risco inaceitável à saúde se o método for utilizado. | Contraindicação absoluta. O método não deve ser usado. |
Armadilhas do ENARE
As provas frequentemente testam o conhecimento das categorias 3 e 4 do MEC. É essencial memorizar as contraindicações absolutas (Categoria 4) para os CHCs, como enxaqueca com aura, tabagismo em mulheres com 35 anos ou mais, hipertensão descontrolada e história de trombose. Uma questão pode apresentar uma paciente com uma condição de Categoria 3 (ex: hipertensão controlada) e perguntar se o método é absolutamente contraindicado. A resposta correta é que não é absoluto, mas os riscos superam os benefícios.
Avaliação Pré-prescrição & Aconselhamento
Uma consulta cuidadosa antes de iniciar um método contraceptivo hormonal é essencial para garantir a segurança e a eficácia, além de promover a adesão da paciente.
Componentes Essenciais da Avaliação Clínica
- Anamnese Detalhada:
- História Médica Pessoal e Familiar: Pesquisar ativamente por contraindicações, com foco em:
- Doenças Cardiovasculares: Hipertensão arterial, diabetes com complicações vasculares, doença cardíaca isquêmica, AVC.
- Tromboembolismo Venoso (TEV): História pessoal ou familiar de primeiro grau de TVP/TEP.
- Cefaleia: Diferenciar enxaqueca com aura (contraindicação absoluta para CHC) de enxaqueca sem aura ou cefaleia tensional.
- Câncer: História de câncer de mama (atual ou prévio) ou outros tumores hormônio-dependentes.
- Doença Hepática: Hepatite viral ativa, cirrose descompensada, adenoma ou carcinoma hepatocelular.
- Outras condições: Lúpus eritematoso sistêmico com anticorpos antifosfolípide positivos, sangramento vaginal inexplicado.
- História Ginecológica e Obstétrica: Padrão menstrual, história de gestações, amamentação.
- Hábitos de Vida: Tabagismo (fundamental cruzar com a idade), uso de álcool e outras drogas.
- Uso de Medicamentos: Investigar o uso de fármacos que podem interagir com os contraceptivos, como alguns anticonvulsivantes (fenitoína, carbamazepina) e antibióticos (rifampicina).
- História Médica Pessoal e Familiar: Pesquisar ativamente por contraindicações, com foco em:
- Exame Físico:
- Aferição da Pressão Arterial: É o único exame físico obrigatório antes da prescrição de contraceptivos hormonais combinados. Hipertensão descontrolada (≥160/100 mmHg) é Categoria 4, e PA entre 140-159/90-99 mmHg é Categoria 3.
- Cálculo do IMC: A obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²) é um fator de risco para TEV e pode reduzir a eficácia de alguns métodos (como o adesivo).
- Exame ginecológico e de mamas não são mandatórios para a prescrição, mas são parte da rotina de saúde da mulher.
Aconselhamento à Paciente
O aconselhamento deve ser claro e abranger os seguintes pontos:
- Uso Correto do Método: Explicar a posologia (diária, semanal, mensal), o que fazer na pausa (se houver) e como proceder em caso de esquecimento de doses.
- Manejo de Doses Esquecidas (Pílulas):
- CHC: Se esquecer 1 pílula, tomar assim que lembrar e continuar a cartela normalmente. Se esquecer 2 ou mais pílulas, tomar a última esquecida, continuar a cartela e usar método de barreira por 7 dias. Considerar contracepção de emergência se houve relação nos últimos 5 dias.
- POC (Minipílula): Se o atraso for >3 horas (ou >12h para desogestrel), tomar a pílula esquecida, continuar a cartela e usar método de barreira por 48 horas.
- Efeitos Colaterais Comuns: Explicar que spotting (sangramento de escape), cefaleia, náuseas e sensibilidade mamária são comuns nos primeiros 3 meses e tendem a melhorar.
- Sinais de Alerta (Warning Signs): Instruir a paciente a procurar atendimento médico imediato se apresentar sintomas sugestivos de complicações graves. O mnemônico ACHES (em inglês) é útil:
- Abdominal pain (dor abdominal intensa - pode indicar trombose mesentérica ou problema hepático).
- Chest pain (dor torácica intensa, dispneia - pode indicar TEP ou IAM).
- Headaches (cefaleia intensa, de início súbito ou com alterações neurológicas - pode indicar AVC ou trombose venosa cerebral).
- Eye problems (alterações visuais, visão dupla - pode indicar AVC ou trombose de veia retiniana).
- Severe leg pain (dor intensa em panturrilha, edema unilateral - pode indicar TVP).
- Ausência de Proteção contra ISTs: Ressaltar que métodos hormonais não protegem contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e a necessidade do uso de preservativos.
Tratamento & Manejo
A prescrição do contraceptivo hormonal deve ser individualizada, considerando o perfil da paciente, suas preferências e as características de cada formulação.
Formulações e Regimes de CHCs
- Monofásicos vs. Multifásicos:
- Monofásicos: Todas as pílulas ativas da cartela contêm a mesma dose de estrogênio e progestagênio. São os mais simples de usar e permitem a manipulação do ciclo (emendar cartelas).
- Multifásicos (Bifásicos/Trifásicos): As doses dos hormônios variam ao longo da cartela, tentando mimetizar o ciclo fisiológico. Podem ter menor dose hormonal total, mas dificultam o manejo de esquecimentos e a emenda de cartelas.
- Regimes de Uso:
- Regime Cíclico (Tradicional): 21 ou 24 dias de pílulas ativas seguidos por 7 ou 4 dias de pausa (ou placebo), período no qual ocorre o sangramento por privação hormonal.
- Regime Estendido: Uso contínuo de pílulas ativas por 84 dias, seguido de 7 dias de pausa, resultando em 4 sangramentos por ano.
- Regime Contínuo: Uso ininterrupto de pílulas ativas, sem pausas, com o objetivo de induzir amenorreia. É uma excelente opção para pacientes com dismenorreia, endometriose ou que simplesmente desejam não menstruar.
Especificidades dos Métodos Apenas com Progestagênio (POCs)
- Minipílula (POP - Progestin-Only Pill):
- Indicações: Lactantes, mulheres com contraindicação ao estrogênio (história de TEV, enxaqueca com aura, tabagistas >35 anos).
- Uso: Deve ser tomada continuamente, sem pausas, e rigorosamente no mesmo horário todos os dias.
- Injetável Trimestral (DMPA - Acetato de Medroxiprogesterona de Depósito):
- Posologia: 150 mg por via intramuscular profunda a cada 12-13 semanas.
- Particularidades: Frequentemente causa irregularidade menstrual nos primeiros meses, evoluindo para amenorreia em mais de 50% das usuárias após 1 ano. O retorno à fertilidade pode levar de 6 a 12 meses após a última injeção. Há uma advertência sobre a possível perda de densidade mineral óssea com o uso prolongado, que é geralmente reversível após a suspensão.
- Implante Subdérmico de Etonogestrel:
- Duração: 3 anos.
- Eficácia: É o método contraceptivo reversível mais eficaz disponível.
- Principal Efeito Adverso: Padrão de sangramento imprevisível, que é a principal causa de descontinuação. Pode variar de amenorreia a sangramento frequente ou prolongado.
Protocolos de Início
- Início no Primeiro Dia (First-Day Start): A paciente inicia o método no primeiro dia da menstruação. A proteção contraceptiva é imediata.
- Início Rápido (Quick Start): A paciente inicia o método no dia da consulta, independentemente da fase do ciclo, desde que se tenha razoável certeza de que ela não está grávida. É necessário usar método de barreira por 7 dias. Este método aumenta as taxas de adesão.
- Início no Domingo (Sunday Start): A paciente inicia no primeiro domingo após o início da menstruação. A vantagem é evitar o sangramento de privação durante os fins de semana. Requer método de barreira por 7 dias.
Complicações & Prognóstico
Embora seguros para a maioria das mulheres, os contraceptivos hormonais não são isentos de riscos. É crucial conhecer os efeitos adversos comuns e as complicações graves para uma prescrição segura.
Efeitos Colaterais Comuns
Geralmente são leves, transitórios (melhoram após os 3 primeiros meses) e não representam risco à saúde:
- Sangramento Irregular (Breakthrough Bleeding ou Spotting): O mais comum, especialmente com métodos de baixa dose, uso contínuo e POCs.
- Cefaleia: Geralmente leve. Se for intensa, de início súbito ou com características de aura, deve-se suspender o método e investigar.
- Náuseas e Vômitos: Mais comuns com pílulas orais devido ao pico hormonal após a ingestão. Tomar a pílula à noite ou com alimentos pode ajudar.
- Sensibilidade Mamária (Mastalgia).
- Alterações de Humor: Algumas mulheres relatam sintomas depressivos ou irritabilidade. A associação causal é controversa, mas deve ser valorizada se for uma queixa da paciente.
- Alteração da Libido.
Riscos Graves e Contraindicações Absolutas (MEC Categoria 4)
As complicações graves estão majoritariamente associadas ao componente estrogênico dos CHCs, que possui efeitos pró-trombóticos.
Raciocínio Clínico
O estrogênio sintético (etinilestradiol) aumenta a produção hepática de fatores de coagulação (II, VII, IX, X) e fibrinogênio, enquanto reduz os níveis de anticoagulantes naturais como a proteína S. Isso inclina a balança hemostática para um estado pró-trombótico, aumentando o risco de eventos tromboembólicos, especialmente em mulheres com outros fatores de risco subjacentes.
| Contraindicações Absolutas (Categoria 4) para Contraceptivos Hormonais Combinados (CHCs) | |
|---|---|
| Condição | Justificativa do Risco |
| Tromboembolismo Venoso (TEV): História pessoal de TVP/TEP, trombofilia conhecida de alto risco. | Risco inaceitável de novo evento trombótico. |
| Doença Cardiovascular: História de AVC, doença arterial coronariana, doença valvar complicada. | Risco aumentado de trombose arterial (IAM, AVC). |
| Hipertensão Arterial Sistêmica: Descontrolada (PA ≥ 160/100 mmHg) ou com doença vascular. | Risco elevado de AVC e IAM. |
| Enxaqueca com Aura: Em qualquer idade. | Risco significativamente aumentado de AVC isquêmico. |
| Tabagismo: ≥ 15 cigarros/dia em mulheres com ≥ 35 anos. | Risco sinérgico e inaceitável de eventos cardiovasculares (IAM, AVC). |
| Câncer de Mama: Atual ou passado. | Risco de estímulo ao crescimento de células tumorais hormônio-sensíveis. |
| Doença Hepática Grave: Cirrose descompensada, adenoma hepatocelular, carcinoma hepatocelular. | Incapacidade de metabolizar os hormônios, risco de complicações. |
| Pós-parto: Menos de 21 dias (risco de TEV) ou menos de 42 dias se amamentando e com outros fatores de risco para TEV. | Estado de hipercoagulabilidade fisiológica do puerpério. |
| Lúpus Eritematoso Sistêmico: Com anticorpos antifosfolípide positivos (ou desconhecidos). | Risco extremamente elevado de trombose arterial e venosa. |
| Hipertensão Pulmonar | Risco elevado de complicações cardiovasculares e trombóticas. (Conceito validado ENARE 2020) |
Populações Especiais
A prescrição de contraceptivos hormonais deve ser adaptada às necessidades e condições de saúde específicas de diferentes grupos de mulheres.
Adolescentes
- Adesão: É o principal desafio. Métodos não diários, como o anel vaginal, o adesivo e, principalmente, os LARCs (implante, SIU), são excelentes opções para essa população.
- Confidencialidade: É um direito da adolescente e um pilar para a busca e adesão ao cuidado em saúde sexual e reprodutiva.
- Densidade Mineral Óssea e DMPA: O uso de DMPA está associado a uma perda transitória da densidade mineral óssea. Embora a maioria das evidências mostre que essa perda é recuperada após a suspensão, a prescrição deve ser criteriosa, discutindo os riscos e benefícios. Não é uma contraindicação absoluta, mas métodos alternativos devem ser considerados.
Pós-parto e Lactantes
- Risco de TEV: O puerpério é um período de alto risco para TEV. Por isso, os CHCs são contraindicados (Categoria 4) nos primeiros 21 dias pós-parto para todas as mulheres.
- Amamentação: O estrogênio pode reduzir a produção de leite materno.
- POCs: São os métodos hormonais de escolha para lactantes. Podem ser iniciados imediatamente após o parto. Incluem minipílulas, injetável trimestral, implante e SIU.
- CHCs: São Categoria 3 entre 21 e 42 dias pós-parto se a mulher estiver amamentando. Após 42 dias, o risco diminui e podem ser considerados (Categoria 2).
Perimenopausa
- Benefícios: CHCs de baixa dose podem ser uma excelente opção para mulheres na perimenopausa (geralmente >40 anos) que sejam saudáveis, não tabagistas e sem contraindicações. Eles fornecem contracepção eficaz e ajudam a controlar os sintomas da transição menopausal, como irregularidades menstruais e fogachos.
- Riscos: O risco de base para doenças cardiovasculares e TEV aumenta com a idade. A avaliação de risco deve ser rigorosa, seguindo os critérios do MEC. Após os 50 anos, a maioria das diretrizes recomenda a transição para métodos apenas com progestagênio ou não hormonais.
Pacientes com Comorbidades
- Obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²): A obesidade por si só é um fator de risco para TEV. Em mulheres obesas, os CHCs são Categoria 2. Deve-se ter cautela e considerar métodos alternativos (POCs ou não hormonais). A eficácia do adesivo transdérmico pode ser reduzida em mulheres com peso >90 kg.
- Diabetes Mellitus:
- Sem doença vascular: CHCs são Categoria 2.
- Com nefropatia, retinopatia, neuropatia ou outra doença vascular, ou com >20 anos de duração: CHCs são Categoria 3/4. POCs são geralmente seguros (Categoria 2).
- Hipertensão Arterial Controlada: Se a PA estiver adequadamente controlada e a paciente tiver <35 anos, os CHCs são Categoria 3. Os riscos geralmente superam os benefícios. POCs são a opção hormonal preferível (Categoria 2).
