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Introdução e Epidemiologia

O câncer de mama é uma neoplasia maligna que se origina nas células dos ductos ou lóbulos mamários. Representa a neoplasia mais incidente em mulheres no Brasil e no mundo (excluindo o câncer de pele não melanoma) e é uma das principais causas de morte por câncer na população feminina. A compreensão de sua epidemiologia e dos fatores de risco é fundamental para o rastreamento e a prevenção.

Incidência e Mortalidade

Globalmente, o câncer de mama é um problema de saúde pública de enorme magnitude. No Brasil, as estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA) apontam consistentemente para o câncer de mama como o mais frequente entre as mulheres. A taxa de mortalidade, embora tenha apresentado melhora devido ao diagnóstico precoce e avanços terapêuticos, ainda é elevada, principalmente devido ao diagnóstico em estágios avançados em muitas regiões do país.

  • Incidência: É a neoplasia maligna mais comum em mulheres em quase todas as regiões do mundo. A incidência aumenta significativamente após os 40 anos.
  • Mortalidade: É a principal causa de morte por câncer em mulheres no Brasil. As taxas de mortalidade são mais altas em países em desenvolvimento, onde o diagnóstico tardio é mais comum.

Fatores de Risco

Os fatores de risco para o câncer de mama são multifatoriais, envolvendo aspectos genéticos, hormonais e de estilo de vida. A idade é o principal fator de risco isolado.

Fatores Genéticos e Familiares

  • Mutações Genéticas Hereditárias: Cerca de 5-10% dos casos de câncer de mama são hereditários, associados a mutações em genes específicos.
    • BRCA1 e BRCA2: São os genes mais conhecidos. Mutações nesses genes aumentam drasticamente o risco de câncer de mama (até 80% ao longo da vida) e de ovário. Também aumentam o risco de câncer de pâncreas e próstata em homens. O câncer de mama associado ao BRCA1 é frequentemente do subtipo triplo-negativo.
    • Outros Genes: Mutações em genes como TP53 (Síndrome de Li-Fraumeni), PTEN (Síndrome de Cowden), ATM e CHEK2 também conferem um risco aumentado.
  • História Familiar: Ter um parente de primeiro grau (mãe, irmã, filha) com câncer de mama duplica o risco. O risco é ainda maior se o parente foi diagnosticado antes da menopausa ou teve doença bilateral.

Fatores Hormonais (Reprodutivos)

A exposição prolongada ao estrogênio endógeno é um dos principais promotores do câncer de mama. A "hipótese da janela estrogênica" postula que quanto maior o tempo de exposição do tecido mamário ao estrogênio, maior o risco.

  • Menarca Precoce: Início da menstruação antes dos 12 anos.
  • Menopausa Tardia: Última menstruação após os 55 anos.
  • Nuliparidade: Não ter tido filhos.
  • Primeira Gestação Tardia: Primeiro filho após os 30 anos.
  • Terapia de Reposição Hormonal (TRH): O uso de terapia combinada (estrogênio + progesterona) na pós-menopausa aumenta o risco.

Fatores Comportamentais e de Estilo de Vida

  • Obesidade e Sobrepeso: Especialmente na pós-menopausa, o tecido adiposo é a principal fonte de produção de estrogênio.
  • Consumo de Álcool: O risco aumenta proporcionalmente à quantidade de álcool consumida.
  • Sedentarismo: A atividade física regular tem um efeito protetor.
  • Exposição à Radiação Ionizante: Principalmente radioterapia no tórax em idade jovem (e.g., para tratamento de Linfoma de Hodgkin).

Raciocínio Clínico

Ao avaliar o risco de uma paciente, não se deve focar em um único fator. A avaliação é um somatório de todos os elementos. Uma paciente de 60 anos, obesa, com menarca aos 11 anos e menopausa aos 56, que faz uso de TRH combinada e cuja irmã teve câncer de mama aos 45 anos, possui um risco muito elevado. Esta paciente se beneficia de um rastreamento mais rigoroso e de aconselhamento sobre modificações no estilo de vida.

Tabela de Referência Rápida: Principais Fatores de Risco para Câncer de Mama
Categoria Fatores de Risco Comentários
Não Modificáveis Sexo feminino; Idade avançada; Mutações genéticas (BRCA1/2); História familiar; Menarca precoce; Menopausa tardia; Doença mamária proliferativa com atipia. A idade é o fator de risco mais importante.
Modificáveis Nuliparidade ou 1ª gestação tardia; Uso de TRH combinada; Obesidade pós-menopausa; Consumo de álcool; Sedentarismo. Aconselhamento sobre estilo de vida é uma estratégia de prevenção primária.

Fisiopatologia

A fisiopatologia do câncer de mama é complexa, envolvendo uma heterogeneidade de tipos histológicos e perfis moleculares que ditam o comportamento clínico, o prognóstico e a resposta ao tratamento. A doença pode ser classificada como in situ (não invasiva) ou invasiva.

Tipos Histológicos

Carcinomas Não Invasivos (In Situ)

  • Carcinoma Ductal In Situ (CDIS): É a proliferação de células malignas confinadas aos ductos mamários, sem invasão da membrana basal. É considerado um precursor não obrigatório do carcinoma invasivo. O CDIS é frequentemente detectado como microcalcificações na mamografia.
  • Neoplasia Lobular (antigo Carcinoma Lobular In Situ - CLIS): Proliferação de células atípicas nos lóbulos. Hoje, é mais considerado um marcador de risco para o desenvolvimento de câncer invasivo em ambas as mamas, e não um precursor direto.

Carcinomas Invasivos

  • Carcinoma Ductal Invasivo (CDI) - Sem Tipo Especial (STE): É o tipo mais comum, correspondendo a cerca de 80% dos casos. Caracteriza-se pela formação de estruturas ductais que invadem o estroma. Apresenta-se classicamente como um nódulo duro e irregular.
  • Carcinoma Lobular Invasivo (CLI): Cerca de 10-15% dos casos. As células tumorais invadem o estroma em um padrão de "fila indiana". O CLI é frequentemente multifocal, multicêntrico e bilateral, e pode ser de difícil detecção em exames de imagem.
  • Tipos Especiais (melhor prognóstico):
    • Tubular: Bem diferenciado, excelente prognóstico.
    • Mucinoso (ou Coloide): Células tumorais flutuam em "lagos" de mucina. Comum em mulheres mais velhas, bom prognóstico.
    • Medular: Raro, associado a mutações do BRCA1, apresenta-se como uma massa bem definida e tem um prognóstico paradoxalmente melhor do que sua aparência agressiva sugere.

Subtipos Moleculares

A classificação molecular, baseada na expressão de receptores hormonais (Estrogênio - RE e Progesterona - RP), do oncogene HER2 e do marcador de proliferação Ki-67, revolucionou o tratamento do câncer de mama. Ela define o prognóstico e, mais importante, guia a terapia sistêmica.

Tabela de Referência Rápida: Subtipos Moleculares do Câncer de Mama
Subtipo Perfil Imuno-histoquímico Características e Tratamento Prognóstico
Luminal A RE+, RP+, HER2-, Ki-67 baixo (<20%) Mais comum (~40-50%). Responde bem à hormonioterapia. Geralmente não necessita de quimioterapia. Melhor prognóstico.
Luminal B RE+, RP+/-, HER2- com Ki-67 alto (≥20%)
ou
RE+, RP+/-, HER2+
Mais proliferativo que o Luminal A. O tratamento inclui hormonioterapia e, frequentemente, quimioterapia. Se HER2+, também terapia anti-HER2. Pior que o Luminal A.
HER2-superexpresso RE-, RP-, HER2+ Agressivo, com alta taxa de proliferação. O tratamento é baseado em quimioterapia e terapia anti-HER2 (e.g., Trastuzumabe). Prognóstico ruim antes das terapias-alvo; hoje, significativamente melhorado.
Triplo-Negativo RE-, RP-, HER2- Mais agressivo, comum em jovens e portadoras de mutação BRCA1. Não responde a terapias hormonais ou anti-HER2. A quimioterapia é a base do tratamento. Imunoterapia pode ser uma opção. Pior prognóstico, com alto risco de recorrência precoce.

Vias de Metástase

A disseminação do câncer de mama ocorre principalmente por duas vias:

  1. Via Linfática: É a via mais comum de disseminação inicial. Os linfonodos axilares são o primeiro sítio de drenagem para a maior parte da mama. A presença de metástases linfonodais é um dos fatores prognósticos mais importantes. Outras cadeias envolvidas incluem a mamária interna e a supraclavicular.
  2. Via Hematogênica: As células tumorais entram na corrente sanguínea e podem se alojar em órgãos distantes. Os sítios mais comuns de metástases à distância são:
    • Ossos (mais comum)
    • Pulmões
    • Fígado
    • Cérebro

Armadilhas do ENARE

Questões podem confundir os conceitos de Carcinoma Ductal In Situ (CDIS) e Carcinoma Lobular Invasivo (CLI). Lembre-se: CDIS é um precursor de câncer invasivo, geralmente na mesma mama. Já a Neoplasia Lobular (CLIS) é um marcador de risco para câncer invasivo em ambas as mamas. O CLI, por sua vez, é um tipo de câncer invasivo, não um marcador de risco.

Apresentação Clínica e Exame Físico

A apresentação clínica do câncer de mama varia desde lesões assintomáticas, detectadas em exames de rastreamento, até doenças localmente avançadas ou metastáticas. O exame físico detalhado das mamas e das cadeias linfonodais é uma etapa crucial da avaliação.

Sinais e Sintomas Comuns

  • Nódulo ou Massa Palpável: É a queixa mais comum. As características que levantam suspeita de malignidade são:
    • Consistência endurecida (pétrea)
    • Bordas irregulares ou mal definidas
    • Indolor na maioria dos casos
    • Aderido à pele ou a planos profundos (baixa mobilidade)
  • Alterações Cutâneas:
    • Retração ou Abaulamento da Pele: Causado pela infiltração dos ligamentos de Cooper pelo tumor.
    • Hiperemia, Edema ou "Peau d'Orange" (Pele em Casca de Laranja): Sinal clássico de carcinoma inflamatório, causado pela obstrução de vasos linfáticos dérmicos.
    • Ulceração da Pele: Ocorre em tumores avançados que invadem a derme e a epiderme.
  • Alterações Mamilares:
    • Retração ou Inversão do Mamilo: Especialmente se for de início recente e unilateral.
    • Descarga Papilar: A descarga suspeita é tipicamente unilateral, espontânea e serossanguinolenta ("água de rocha") ou francamente sanguinolenta. Descargas bilaterais, multiductais ou de coloração leitosa/esverdeada são geralmente benignas.
    • Doença de Paget do Mamilo: Apresenta-se como uma lesão eczematosa (eritema, descamação, crostas) no complexo areolopapilar. Quase sempre está associada a um carcinoma subjacente (CDIS ou invasivo).
  • Linfadenopatia Axilar ou Supraclavicular: A presença de linfonodos palpáveis, endurecidos, aumentados e, por vezes, coalescentes na axila ou na fossa supraclavicular é um sinal de disseminação regional da doença.

Exame Físico Sistemático

O exame físico das mamas deve ser realizado com a paciente sentada e depois deitada, e deve seguir uma sequência lógica.

  1. Inspeção Estática e Dinâmica (paciente sentada):
    • Estática: Observar simetria, contorno, abaulamentos, retrações, e aspecto da pele e do complexo areolopapilar com os braços da paciente relaxados ao lado do corpo.
    • Dinâmica: Repetir a inspeção com a paciente elevando os braços acima da cabeça (acentua retrações) e depois com as mãos na cintura, contraindo a musculatura peitoral (evidencia fixação do tumor ao músculo).
  2. Palpação (paciente em decúbito dorsal):
    • A mama deve ser palpada em toda a sua extensão, incluindo o prolongamento axilar de Spence.
    • Use as polpas dos dedos indicador, médio e anelar, com movimentos circulares, radiais ou verticais, aplicando diferentes níveis de pressão (superficial, média e profunda).
    • Se um nódulo for encontrado, descreva sua localização (em quadrantes ou como "horas de um relógio"), tamanho, forma, consistência, mobilidade e limites.
  3. Palpação das Cadeias Linfonodais:
    • Axilar: Com o braço da paciente relaxado e apoiado, palpe profundamente a axila para avaliar os linfonodos centrais, peitorais, subescapulares e apicais.
    • Supraclavicular e Infraclavicular: Palpe as fossas acima e abaixo da clavícula.

Raciocínio Clínico

Uma mulher de 65 anos queixa-se de uma "ferida que não cicatriza" no mamilo direito há 3 meses, associada a prurido. Ao exame, você observa uma lesão eritematosa e descamativa no complexo areolopapilar direito. Mesmo que não haja nódulo palpável, a suspeita de Doença de Paget é altíssima. A conduta imediata é uma biópsia da lesão do mamilo e a solicitação de exames de imagem (mamografia e ultrassom) para investigar o carcinoma subjacente.

Avaliação Diagnóstica

A avaliação diagnóstica do câncer de mama envolve uma abordagem multimodal que inclui diretrizes de rastreamento, exames de imagem e confirmação histopatológica. O objetivo é detectar a doença o mais precocemente possível e estadiá-la corretamente.

Rastreamento

O rastreamento visa detectar o câncer em mulheres assintomáticas. No Brasil, a recomendação do Ministério da Saúde e do INCA é:

  • População de Risco Habitual: Mamografia a cada dois anos para mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos.
  • População de Alto Risco: (e.g., mutação BRCA, história familiar forte, radioterapia torácica prévia): O rastreamento deve ser individualizado, iniciando mais cedo (geralmente a partir dos 30-35 anos ou 10 anos antes do caso mais jovem na família), com exames anuais que podem incluir mamografia e ressonância magnética (RM).

Métodos de Imagem

Mamografia

É o principal método de rastreamento e diagnóstico. Os achados suspeitos incluem:

  • Nódulos: Especialmente aqueles com contornos espiculados ou irregulares.
  • Microcalcificações: Pequenos depósitos de cálcio. Quando agrupadas, pleomórficas (formas variadas) ou com distribuição linear/segmentar, são altamente suspeitas de CDIS.
  • Assimetria Focal ou Global: Uma área de maior densidade em uma mama em comparação com a área correspondente na outra.
  • Distorção Arquitetural: Desarranjo do parênquima mamário sem um nódulo definido.

Ultrassonografia (USG)

É um método complementar à mamografia. Suas principais indicações são:

  • Avaliar achados inconclusivos na mamografia (e.g., assimetrias, nódulos).
  • Diferenciar lesões císticas (conteúdo líquido, geralmente benignas) de sólidas.
  • Avaliar mamas densas, onde a sensibilidade da mamografia é menor.
  • Guiar procedimentos percutâneos (biópsias, punções).
  • Avaliar os linfonodos axilares.

Ressonância Magnética (RM)

A RM tem alta sensibilidade, mas menor especificidade. Não é um exame de rastreamento para a população geral. Suas principais indicações são:

  • Rastreamento de pacientes de alto risco.
  • Estadiamento pré-operatório em casos selecionados (e.g., carcinoma lobular, avaliação de multifocalidade).
  • Avaliação da resposta à quimioterapia neoadjuvante.
  • Busca de tumor primário oculto em pacientes com metástase axilar.

Sistema BI-RADS® (Breast Imaging Reporting and Data System)

É uma classificação padronizada para laudos de mamografia, USG e RM, que estratifica o risco de malignidade e orienta a conduta.

Classificação BI-RADS e Conduta Recomendada
Categoria Descrição Risco de Malignidade Conduta
BI-RADS 0 Exame Inconclusivo Indeterminado Necessita avaliação adicional com outro método de imagem (e.g., USG, compressão seletiva, magnificação).
BI-RADS 1 Exame Negativo (normal) ~0% Rastreamento de rotina.
BI-RADS 2 Achados Benignos ~0% Rastreamento de rotina.
BI-RADS 3 Achado Provavelmente Benigno ≤2% Controle semestral por 2 anos.
BI-RADS 4 Achado Suspeito (A, B, C) >2% a <95% Biópsia percutânea.
BI-RADS 5 Achado Altamente Suspeito ≥95% Biópsia percutânea.
BI-RADS 6 Malignidade Comprovada 100% Acompanhamento durante o tratamento.

Conceito-Chave Validado pelo Exame (ENARE 2023)

Uma mamografia com resultado BI-RADS 0 não é um diagnóstico final. Significa que o radiologista identificou um achado que precisa ser melhor esclarecido. A conduta obrigatória é a complementação com outros métodos de imagem. A causa mais comum para um BI-RADS 0 é uma assimetria focal em uma mamografia de rastreamento, que quase sempre será reavaliada com uma ultrassonografia mamária e/ou incidências mamográficas complementares (compressão localizada e magnificação). Apenas após essa complementação o achado será reclassificado em uma categoria definitiva (1 a 5).

Confirmação Histopatológica (Biópsia)

O diagnóstico definitivo de câncer de mama requer a análise de tecido. A Core Biopsy (biópsia por agulha grossa) é o método de escolha para a maioria das lesões, pois permite obter fragmentos de tecido para análise histológica, determinação do grau tumoral e avaliação dos receptores hormonais e HER2.

Estadiamento (TNM)

Após a confirmação diagnóstica, realiza-se o estadiamento para determinar a extensão da doença, o que é crucial para o planejamento terapêutico e a definição do prognóstico. O sistema TNM da AJCC (American Joint Committee on Cancer) é o mais utilizado.

  • T (Tumor): Refere-se ao tamanho do tumor primário.
  • N (Nodos): Refere-se ao acometimento de linfonodos regionais (axilares, mamários internos, supraclaviculares).
  • M (Metástase): Refere-se à presença (M1) ou ausência (M0) de metástases à distância.

O estadiamento clínico é feito com base no exame físico e de imagem. O estadiamento patológico (pTNM) é mais acurado e é definido após a cirurgia.

Tratamento e Manejo

O tratamento do câncer de mama é multidisciplinar e personalizado, baseado no estadiamento, no subtipo molecular do tumor e nas condições clínicas da paciente. As modalidades terapêuticas incluem tratamento local (cirurgia e radioterapia) e sistêmico (quimioterapia, hormonioterapia, terapia-alvo e imunoterapia).

Tratamento Cirúrgico

Cirurgia da Mama

  • Cirurgia Conservadora da Mama (CCM) ou Lumpectomia/Quadrantectomia: Consiste na remoção do tumor com uma margem de tecido mamário normal. É a opção preferencial para a maioria dos tumores em estágio inicial. A radioterapia adjuvante (pós-operatória) em toda a mama é um componente obrigatório do tratamento conservador para reduzir o risco de recidiva local.
  • Mastectomia: Consiste na remoção de toda a glândula mamária. As indicações incluem tumores grandes em relação ao tamanho da mama, doença multicêntrica, contraindicação à radioterapia ou preferência da paciente. Pode ser seguida de reconstrução mamária imediata ou tardia.

Manejo da Axila

A avaliação dos linfonodos axilares é fundamental para o estadiamento e prognóstico.

  • Biópsia de Linfonodo Sentinela (BLS): É o procedimento padrão para pacientes com axila clinicamente negativa (sem linfonodos suspeitos ao exame físico ou USG). Consiste na identificação e remoção do primeiro linfonodo (ou primeiros linfonodos) que drena a linfa do tumor. Se o linfonodo sentinela for negativo para metástase, a dissecção dos demais linfonodos axilares pode ser evitada, poupando a paciente da morbidade associada (linfedema, dor crônica).
  • Dissecção Axilar (ou Esvaziamento Axilar): Consiste na remoção de um número maior de linfonodos axilares (geralmente dos níveis I e II). É indicada para pacientes com axila clinicamente positiva ou em casos selecionados de linfonodo sentinela positivo.

Conceito-Chave Validado pelo Exame (ENARE 2024)

A anatomia da axila é definida pela relação dos linfonodos com o músculo peitoral menor. Este conhecimento é essencial para entender os níveis do esvaziamento axilar.

  • Nível I (Baixo): Linfonodos localizados lateralmente à borda lateral do músculo peitoral menor.
  • Nível II (Médio): Linfonodos localizados posteriormente (profundamente) ao músculo peitoral menor.
  • Nível III (Apical): Linfonodos localizados medialmente à borda medial do músculo peitoral menor.
Um esvaziamento axilar padrão geralmente remove os linfonodos dos níveis I e II.

Radioterapia

Utiliza radiação ionizante para destruir células cancerígenas remanescentes. As principais indicações são:

  • Adjuvante à Cirurgia Conservadora: Praticamente obrigatória para reduzir a recidiva local.
  • Pós-Mastectomia: Indicada em casos de alto risco, como tumores >5 cm, linfonodos positivos (especialmente ≥4) ou margens cirúrgicas comprometidas.
  • Paliativa: Para controle de sintomas em metástases (e.g., ósseas, cerebrais).

Terapias Sistêmicas

O tratamento sistêmico pode ser administrado antes da cirurgia (neoadjuvante, para reduzir o tamanho do tumor e permitir uma cirurgia conservadora) ou após a cirurgia (adjuvante, para eliminar micrometástases e reduzir o risco de recorrência).

  • Hormonioterapia: É a base do tratamento para tumores com receptores hormonais positivos (Luminal A e B). Bloqueia a ação do estrogênio sobre as células tumorais.
    • Tamoxifeno: Um modulador seletivo do receptor de estrogênio (SERM), usado em mulheres na pré e pós-menopausa.
    • Inibidores da Aromatase (Anastrozol, Letrozol): Bloqueiam a produção de estrogênio no tecido adiposo. São usados apenas em mulheres na pós-menopausa.
  • Quimioterapia: Utiliza drogas citotóxicas para destruir células de rápida proliferação. É indicada para tumores triplo-negativos, HER2-positivos e tumores luminais de alto risco.
  • Terapia-Alvo Anti-HER2: Direcionada a tumores que superexpressam a proteína HER2.
    • Trastuzumabe e Pertuzumabe: Anticorpos monoclonais que bloqueiam o receptor HER2, impedindo a sinalização de crescimento celular. Mudaram drasticamente o prognóstico dos tumores HER2+.
  • Imunoterapia: Utiliza o sistema imunológico do próprio paciente para combater o câncer. Inibidores de checkpoint (e.g., Pembrolizumabe) têm mostrado benefício em alguns casos de câncer de mama triplo-negativo.

Complicações e Prognóstico

O manejo do câncer de mama envolve também a prevenção e o tratamento das complicações decorrentes da doença e de suas terapias, além da compreensão dos fatores que influenciam o prognóstico.

Complicações do Tratamento

  • Complicações Cirúrgicas:
    • Linfedema: É o inchaço crônico do braço do lado operado, causado pelo comprometimento da drenagem linfática após a dissecção axilar ou, em menor grau, após a biópsia de linfonodo sentinela e radioterapia. É uma das complicações mais temidas e impactantes na qualidade de vida.
    • Seroma: Acúmulo de fluido seroso no leito cirúrgico (mama ou axila). Geralmente se resolve espontaneamente ou com punções de alívio.
    • Dor Crônica e Alterações de Sensibilidade: Lesão de nervos intercostobraquiais durante a cirurgia axilar pode levar a dor neuropática ou dormência na face medial do braço.
  • Efeitos Colaterais da Terapia Sistêmica:
    • Quimioterapia: Náuseas, vômitos, alopecia (queda de cabelo), mucosite, fadiga e mielossupressão (neutropenia, anemia, plaquetopenia). Cardiotoxicidade é um risco com algumas drogas (e.g., antraciclinas).
    • Hormonioterapia: Fogachos (ondas de calor), secura vaginal. O Tamoxifeno aumenta o risco de trombose venosa profunda e câncer de endométrio. Os inibidores da aromatase podem causar dor articular e osteoporose.
    • Terapia Anti-HER2: O principal efeito colateral do Trastuzumabe é a cardiotoxicidade (disfunção ventricular esquerda), que exige monitoramento com ecocardiograma.

Recorrência

A doença pode recorrer após o tratamento inicial. A recorrência pode ser:

  • Local: Na mama tratada (após cirurgia conservadora) ou na parede torácica (após mastectomia).
  • Regional: Nos linfonodos axilares, supraclaviculares ou da mamária interna.
  • À Distância (Metastática): Em outros órgãos, como ossos, fígado, pulmões ou cérebro. A doença metastática é considerada incurável, e o tratamento visa o controle da doença e a qualidade de vida.

Fatores Prognósticos

O prognóstico é a previsão da evolução da doença. Os fatores mais importantes são:

  1. Status dos Linfonodos Axilares (N): É o fator prognóstico isolado mais poderoso. Quanto maior o número de linfonodos acometidos, pior o prognóstico.
  2. Presença de Metástases à Distância (M): Pacientes com doença metastática (Estádio IV) têm o pior prognóstico.
  3. Tamanho do Tumor (T): Tumores maiores estão associados a um pior prognóstico.
  4. Subtipo Molecular: Tumores triplo-negativos têm o pior prognóstico, com maior risco de recorrência precoce. Tumores Luminal A têm o melhor prognóstico.
  5. Grau Histológico: Tumores de alto grau (pouco diferenciados) são mais agressivos.
  6. Invasão Linfovascular: A presença de células tumorais dentro de vasos linfáticos ou sanguíneos aumenta o risco de metástases.

Cuidados de Sobrevivência (Survivorship)

Após o término do tratamento ativo, as pacientes entram em uma fase de acompanhamento a longo prazo, que inclui:

  • Monitoramento para detecção de recorrências.
  • Manejo dos efeitos tardios do tratamento (e.g., linfedema, cardiotoxicidade, menopausa precoce).
  • Rastreamento de segundos tumores primários.
  • Apoio psicossocial e promoção de um estilo de vida saudável.

Populações Especiais

O manejo do câncer de mama em certas populações requer considerações e abordagens específicas devido a desafios diagnósticos e terapêuticos únicos.

Câncer de Mama na Gestação

É o câncer mais comum diagnosticado durante a gravidez ou no primeiro ano pós-parto. O diagnóstico é frequentemente tardio, pois as alterações fisiológicas da mama na gestação (aumento, ingurgitamento) podem mascarar um nódulo.

  • Diagnóstico: A ultrassonografia é o método de imagem inicial de escolha. A mamografia pode ser realizada com proteção abdominal e é considerada segura. A biópsia é necessária para a confirmação.
  • Tratamento: O manejo é complexo e requer uma equipe multidisciplinar.
    • Cirurgia: A mastectomia é frequentemente preferida para evitar a necessidade de radioterapia, que é contraindicada durante toda a gestação. A cirurgia conservadora é uma opção, mas a radioterapia deve ser adiada para o pós-parto.
    • Quimioterapia: É contraindicada no primeiro trimestre devido ao risco de malformações fetais. Pode ser administrada com segurança relativa a partir do segundo trimestre.
    • Hormonioterapia e Terapia Anti-HER2: São contraindicadas durante a gestação.

Câncer de Mama Masculino

É uma condição rara, representando menos de 1% de todos os casos de câncer de mama. Geralmente afeta homens mais velhos (idade média de 65-70 anos) e está fortemente associado a mutações no gene BRCA2.

  • Apresentação Clínica: Geralmente se apresenta como um nódulo subareolar unilateral, firme e indolor. Retração do mamilo ou ulceração podem ocorrer.
  • Características: A grande maioria dos casos é do tipo ductal invasivo e expressa receptores hormonais (RE+).
  • Tratamento: O tratamento segue os mesmos princípios do câncer de mama feminino. A mastectomia radical modificada é o procedimento cirúrgico mais comum devido à pequena quantidade de tecido mamário. A hormonioterapia com Tamoxifeno é a base do tratamento sistêmico para tumores RE+.

Carcinoma Inflamatório da Mama

É uma forma rara (1-3% dos casos) e extremamente agressiva de câncer de mama. O diagnóstico é clínico, não histológico.

  • Apresentação Clínica: Caracteriza-se por início rápido de eritema, edema e calor na mama, envolvendo pelo menos um terço da pele, com ou sem um nódulo palpável. A aparência de "peau d'orange" é clássica. Frequentemente é confundido com mastite, mas não responde a antibióticos.
  • Fisiopatologia: A agressividade se deve à embolização de células tumorais nos vasos linfáticos dérmicos.
  • Tratamento: Requer uma abordagem multimodal agressiva: quimioterapia neoadjuvante, seguida por mastectomia radical modificada e, em seguida, radioterapia. A cirurgia primária é contraindicada.

Doença de Paget do Mamilo

É uma manifestação rara de câncer de mama (1-4% dos casos) que se apresenta como uma lesão eczematosa unilateral do complexo areolopapilar (eritema, descamação, crostas, prurido, ulceração).

  • Fisiopatologia: Células malignas (células de Paget) migram dos ductos mamários para a epiderme do mamilo.
  • Associação: Está quase invariavelmente associada a um carcinoma subjacente, que pode ser CDIS ou um carcinoma invasivo.
  • Diagnóstico: Requer uma biópsia da lesão do mamilo (punch ou incisional). A investigação com mamografia e/ou USG é obrigatória para identificar o tumor subjacente.
  • Tratamento: O tratamento depende da extensão da doença subjacente. Se houver um tumor invasivo, o tratamento segue as diretrizes para aquele estádio. Se for apenas CDIS, a cirurgia conservadora (excisão do complexo areolopapilar com margens) seguida de radioterapia ou a mastectomia são opções.

Armadilhas do ENARE

Uma questão pode apresentar uma paciente com sinais de mastite (mama quente, eritematosa e dolorosa) que não melhora após um curso de antibioticoterapia. A principal hipótese diagnóstica a ser considerada neste cenário é o carcinoma inflamatório da mama. A conduta correta é prosseguir com a investigação através de biópsia de pele e exames de imagem, e não insistir com outros esquemas de antibióticos.

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