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Adenomiose

A adenomiose é uma condição ginecológica benigna, porém frequentemente sintomática, caracterizada pela presença de tecido endometrial (glândulas e estroma) dentro do miométrio, a camada muscular do útero. Essa invasão tecidual provoca uma reação inflamatória crônica e hipertrofia das fibras musculares adjacentes, resultando em um útero difusamente aumentado e sintomatologia significativa.

Introdução & Epidemiologia

A adenomiose é uma causa comum de Sangramento Uterino Anormal (SUA) e dismenorreia, impactando significativamente a qualidade de vida das mulheres. É frequentemente chamada de "endometriose interna", embora seja uma entidade distinta da endometriose pélvica.

Definição

A definição histopatológica clássica é a presença de ilhas de glândulas e estroma endometriais a uma profundidade de pelo menos 2,5 mm da junção endométrio-miométrio. Essas ilhas de tecido ectópico são funcionalmente responsivas aos hormônios ovarianos, o que explica a natureza cíclica de muitos dos sintomas.

Prevalência e Fatores de Risco

A verdadeira prevalência da adenomiose é difícil de determinar, pois o diagnóstico definitivo requer análise histopatológica de uma peça de histerectomia. As estimativas variam amplamente, de 20% a 65% nas populações estudadas. A condição é mais comumente diagnosticada em mulheres na quarta e quinta décadas de vida (entre 40 e 50 anos), ou seja, no final da idade reprodutiva e na perimenopausa.

Os principais fatores de risco associados à adenomiose incluem:

  • Multiparidade: Acredita-se que a gravidez e o parto possam causar microtraumas na junção endométrio-miométrio, facilitando a invasão tecidual.
  • Cirurgia uterina prévia: Procedimentos como cesariana, curetagem uterina e miomectomia podem romper a barreira entre o endométrio e o miométrio.
  • Início precoce da menarca: Maior tempo de exposição ao estrogênio ao longo da vida.
  • Ciclos menstruais curtos: Maior frequência de exposição hormonal e sangramento.

Fisiopatologia

A patogênese exata da adenomiose ainda não é completamente compreendida, mas a teoria mais aceita é a da invaginação do endométrio basal. O mecanismo central envolve a quebra da integridade da zona juncional, a camada interna do miométrio que faz fronteira com o endométrio.

A Teoria da Invasão Endometrial

Esta teoria postula que microtraumas na interface endométrio-miométrio, seja por contrações uterinas vigorosas durante a menstruação, gestação ou procedimentos cirúrgicos, permitem que o tecido do endométrio basal se invagine e cresça dentro do miométrio. Uma vez estabelecido, esse tecido ectópico induz uma resposta do miométrio circundante, caracterizada por:

  • Hipertrofia e Hiperplasia: As células musculares lisas do miométrio ao redor das ilhas de adenomiose se multiplicam e aumentam de tamanho.
  • Inflamação Crônica: O sangramento cíclico dentro do miométrio atrai macrófagos e outras células inflamatórias, liberando citocinas e prostaglandinas, que perpetuam a dor e o sangramento.
  • Neuroangiogênese: Há um aumento na formação de novos vasos sanguíneos e fibras nervosas na área afetada, contribuindo para a dor crônica e o sangramento aumentado.

O resultado macroscópico desse processo é um útero difusamente aumentado, com uma consistência mais amolecida e uma aparência globular, em contraste com o aumento irregular e firme causado pelos leiomiomas.

Raciocínio Clínico

Por que a adenomiose causa sangramento tão intenso e dor? O tecido endometrial ectópico dentro do músculo uterino cria uma área de superfície endometrial total maior. Além disso, a inflamação e a fibrose miometrial prejudicam a capacidade do útero de se contrair eficientemente para comprimir os vasos espiralados durante a menstruação, levando a um sangramento mais prolongado e intenso. A dor é mediada pela liberação de prostaglandinas pelo tecido ectópico, causando contrações uterinas dolorosas e disrítmicas.

Apresentação Clínica & Exame Físico

Embora até um terço das mulheres com adenomiose possam ser assintomáticas, a apresentação clássica envolve uma tríade de sintomas, embora nem sempre todos estejam presentes.

Sintomas Clássicos

  • Sangramento Uterino Anormal (SUA): É o sintoma mais comum. Tipicamente se manifesta como menorragia (sangramento menstrual intenso e/ou prolongado). O sangramento pode ser tão severo a ponto de causar anemia ferropriva.
  • Dismenorreia: Dor pélvica cíclica, geralmente iniciando alguns dias antes da menstruação e persistindo durante todo o período. A dor é descrita como uma cólica profunda e intensa, que pode irradiar para a região lombar e coxas.
  • Dispareunia de Profundidade: Dor durante a relação sexual profunda, causada pela congestão pélvica e pela sensibilidade do útero aumentado.
  • Dor Pélvica Crônica: Dor não cíclica que pode estar presente ao longo de todo o mês.
  • Sintomas compressivos: Em casos de úteros muito volumosos, podem ocorrer sintomas como aumento da frequência urinária ou constipação por compressão da bexiga e do reto, respectivamente.

Exame Físico

O achado mais característico no exame bimanual é um útero difusamente aumentado de volume, de forma globular e simétrica. A consistência pode ser amolecida, classicamente descrita como "pantanosa" (boggy), e o útero pode ser sensível à palpação, especialmente no período pré-menstrual.

Armadilhas do ENARE

A principal armadilha é diferenciar a adenomiose do leiomioma, a causa mais comum de massa pélvica em mulheres. Lembre-se da regra geral: Adenomiose tende a causar um aumento simétrico e globular do útero, enquanto Leiomiomas tipicamente causam um aumento irregular e nodular. Além disso, a adenomiose frequentemente coexiste com a endometriose pélvica e os próprios leiomiomas, tornando o diagnóstico clínico ainda mais desafiador.

Avaliação Diagnóstica

O diagnóstico da adenomiose é suspeitado clinicamente e confirmado por exames de imagem. O diagnóstico definitivo, no entanto, permanece histopatológico.

Ultrassonografia Transvaginal (USTV)

É o método de imagem de primeira linha por ser acessível, de baixo custo e não invasivo. A precisão depende da experiência do operador. Os achados sugestivos de adenomiose incluem:

  • Útero de volume aumentado e formato globular.
  • Assimetria das paredes miometriais: Frequentemente, a parede posterior é mais espessada que a anterior.
  • Ecotextura miometrial heterogênea: O miométrio perde sua aparência homogênea.
  • Cistos miometriais: Pequenas áreas anecoicas (pretas) dentro do miométrio, representando ilhas de sangramento ou glândulas dilatadas.
  • Estrias hipoecoicas lineares: Imagens em "leque" ou "chuva" que se irradiam do endométrio para o miométrio.
  • Zona juncional obscurecida ou espessada: A linha que separa o endométrio do miométrio torna-se mal definida ou com espessura > 12 mm.
  • Ausência de uma pseudocápsula bem definida, que é típica dos leiomiomas.

Ressonância Magnética (RM)

A RM é mais acurada que a USTV, sendo reservada para casos em que o ultrassom é inconclusivo ou para planejamento cirúrgico. O achado mais específico e diagnóstico na RM é o espessamento da zona juncional > 12 mm, melhor visualizado em imagens ponderadas em T2.

Conceito-Chave Validado pelo Exame (ENARE 2022)

Para as provas, a capacidade de diagnosticar adenomiose com base na combinação de dados clínicos e ultrassonográficos é fundamental. Um cenário clássico de questão apresenta uma mulher na faixa dos 40 anos, multípara, com queixa de menstruações muito intensas e cólicas incapacitantes. O ultrassom revela um útero aumentado de volume, com contornos regulares, e miométrio de ecotextura heterogênea. Essa combinação de achados é altamente sugestiva de adenomiose e deve ser a sua principal hipótese diagnóstica.

Tratamento e Manejo

A abordagem terapêutica é individualizada, baseando-se na gravidade dos sintomas, na idade da paciente e no seu desejo de preservar a fertilidade ou o útero.

Manejo Clínico (Conservador)

O objetivo é controlar a dor e o sangramento.

  1. Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs): São a primeira linha para o controle da dismenorreia, atuando na inibição da síntese de prostaglandinas. Devem ser iniciados 1-2 dias antes do início esperado da menstruação.
  2. Terapia Hormonal:
    • Sistema Intrauterino Liberador de Levonorgestrel (DIU-LNG): Considerado o tratamento hormonal de primeira linha. Atua localmente, liberando progestágeno que causa atrofia endometrial, reduzindo drasticamente o sangramento e a dor.
    • Contraceptivos Orais Combinados: Podem ser usados de forma cíclica ou, preferencialmente, contínua para induzir amenorreia e controlar os sintomas.
    • Progestágenos isolados: Administrados de forma contínua (oral, injetável ou implante) para suprimir o crescimento endometrial. O Dienogeste é uma opção eficaz.
    • Análogos do GnRH: Induzem um estado de hipoestrogenismo ("pseudomenopausa"), sendo muito eficazes para o controle dos sintomas. No entanto, seu uso é limitado a 3-6 meses devido aos efeitos colaterais (sintomas vasomotores, perda de massa óssea). São frequentemente usados como "ponte" para a cirurgia ou para a menopausa.

Manejo Cirúrgico

  • Histerectomia: É o único tratamento definitivo para a adenomiose. Indicada para mulheres com sintomas graves e refratários ao tratamento clínico e que não desejam mais engravidar.
  • Cirurgia Conservadora (Adenomiomectomia): Ressecção do tecido adenomiótico. É uma opção para mulheres com doença focal (adenomioma) que desejam preservar a fertilidade. É um procedimento tecnicamente desafiador, com risco de recorrência.
  • Outras Terapias: A embolização da artéria uterina e a ablação endometrial têm resultados menos previsíveis para adenomiose em comparação com leiomiomas e podem, em alguns casos, piorar a dor.

Complicações & Prognóstico

A adenomiose é uma condição benigna e seu prognóstico é excelente no que diz respeito à mortalidade. As principais complicações estão relacionadas à sintomatologia:

  • Anemia Ferropriva: Secundária ao sangramento menstrual intenso e crônico.
  • Impacto na Qualidade de Vida: A dor crônica, o sangramento imprevisível e a dispareunia podem levar a absenteísmo no trabalho, ansiedade e depressão.
  • Infertilidade e Resultados Obstétricos: A adenomiose está associada a taxas mais baixas de implantação embrionária e taxas mais altas de abortamento, pré-eclâmpsia, restrição de crescimento fetal e parto prematuro.

A condição é autolimitada, com resolução completa dos sintomas após a menopausa, quando cessa o estímulo estrogênico.

Populações Especiais

Embora classicamente associada a mulheres multíparas na perimenopausa, a adenomiose está sendo cada vez mais diagnosticada em mulheres mais jovens, incluindo nulíparas e adolescentes, graças à melhoria das técnicas de imagem. Nessas populações, a adenomiose é uma causa importante a ser considerada em casos de dismenorreia severa, dor pélvica crônica e infertilidade inexplicada. O manejo nesse grupo é particularmente desafiador, pois foca na preservação da fertilidade, priorizando tratamentos clínicos como o DIU-LNG e, em casos selecionados, a cirurgia conservadora.


Referência Rápida: Diagnóstico Diferencial Chave

Característica Adenomiose Leiomioma (Mioma)
Pico de Incidência 40-50 anos 30-40 anos
Sintoma Principal Menorragia e Dismenorreia severa Menorragia e/ou sintomas compressivos
Exame Físico Útero aumentado de forma simétrica, globular, consistência amolecida, sensível. Útero aumentado de forma irregular, nodular, consistência firme, geralmente indolor.
Achados na USTV Miométrio heterogêneo, cistos miometriais, estrias hipoecoicas, zona juncional espessada/obscurecida. Nódulo(s) bem definido(s), hipoecoico(s), com pseudocápsula e sombra acústica posterior.
Tratamento Definitivo Histerectomia Histerectomia ou Miomectomia
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